sábado, março 14, 2009

De Noronha a Natal - Texto:

Noronha/Natal 2008
(Fotos por Silvio Ramos, Marcio - Bora Bora).

Fernando de Noronha:

Nos últimos dias em Fernando de Noronha o mar levantou, formando ondas mais altas que estouravam com força pela baia onde estávamos ancorados. Vimos fotos de swells assim onde as ondas passavam por cima da armação de pedra que protege o porto. Com isso, ficou impraticável novos mergulhos e passeios de botinho pela costa, então ficamos a maior parte do tempo em terra, caminhando e visitando mais lugares.

Acabamos não conseguindo receber as bolsas que o Cabanga ficou nos devendo, pois quando íamos buscar em terra, eles ou não tinham ou estavam fechados, e quando eles foram aos barcos deixar as bolsas para os barcos que não haviam recebido, esqueceram de deixar no Matajusi. Reclamei muito, com todo mundo que conseguia encontrar, e eles prometeram resolver isso depois da volta de Noronha. Como íamos para Natal, a única solução seria por correio, mas isso não aconteceu até a data de hoje. Não esqueci que não nos deram o que pagamos e não vou me esquecer. O Cabanga tem uma divida com a tripulação do Matajusi e de alguma forma eles vão ter que saldar essa divida, nem que seja com devolução de parte do valor das inscrições.

Inscrevemos-nos para a regata Noronha/Natal, e conversei muito com o pessoal do Iate Clube de Natal, principalmente sobre os pequenos roubos que tem acontecido por lá com os barcos visitantes. Prometeram uma poita bem próxima ao clube, principalmente porque o Matajusi vai ficar em Natal até nossa partida para Trinidad, que esta estimada para 12 de Janeiro de 2009.

A Regata:

No dia 4 pela manhã, foi dada a partida para a regata Noronha/Natal. Largamos no meio da flotilha, mas com boa velocidade, logo ficamos entre os 6 primeiros barcos. Alguns barcos apresentavam terem problemas com excesso de velas em relação ao vento, pois foram ficando mais para trás com as atravessadas. Um deles foi o Beneteau 47 que havia sido o fita azul na Recife/Noronha. Eles continuaram com dificuldades com o ajuste correto das velas até o anoitecer, quando já estavam a umas cinco milhas para trás, na nossa aleta de boreste. Ficamos surpresos no raiar o dia quando eles não estavam mais a vista, e achávamos que o havíamos deixado para trás. Ficamos mais surpresos ainda na nossa chegada em Natal, quando eles haviam sido novamente o fita azul. De alguma forma eles conseguiram ajustar suas velas e andar quase o dobro da velocidade do Matajusi, que diga-se de passagem, andou muito bem, com média de 7.8 nós.

O mar estava alto, dizem os locais que o mais alto nos últimos cinquenta anos! Oficialmente, falou-se em ondas de 4 metros, mas, em algumas ondas, quando o Matajusi com seus 12 metros estava no topo da onda, cabiam dois dele até a base da onda, ou seja, uns 20 metros. A metade de 20 sendo 10, tirando o exagero, acho que uns oito metros de onda ficaria correto de se estimar.

Algumas ondas quebravam perto do Matajusi, algumas em cima. Quando quebrava em cima era um tal de se esconder da aguaceira que vinha a bordo. Um delas quebrou no costado, com uma explosão enorme, jogando água na altura da metade do mastro, cobrindo a mestra com água, que ficou escorrendo para dentro do barco um bom tempo.

Mais ou menos nessa hora, quebrou o piloto automático. Eu estava no leme e percebi que o barco saiu do rumo. Vi uma mensagem no plotter algo a ver com o braço do piloto, o que pega no quadrante do leme e mantém o barco no rumo. Toquei sem piloto por umas duas horas, e chamei o Marcio para o turno dele. Enquanto ele tocava, desci para o sub-mundo, o lugar na popa entre o deck e o casco onde ficam as estruturas do leme e do piloto, e fui verificar a origem do problema.

Nessa hora reconheci que havia feito algumas modificações na estrutura do barco que valeram à pena, pois tinha mandado aumentar as janelas de acesso ao sub-mundo, assim como instalei uma lâmpada branca do tipo fria bem forte, justamente para o caso de ter que trabalhar no leme ou no piloto. Deitado na cama do camarote de popa de bombordo abri a janela, acendi a lâmpada e comecei a procurar pela causa do problema. Logo percebi que o braço do piloto estava caído de lado, fora do quadrante. Só podia ser uma quebra no parafuso que segura o braço ao quadrante, assim comecei a procurar pelos pedaços que haviam caído pelo casco. Isso não foi uma tarefa fácil, pois com o movimento do barco no mar alto que estava os vários pedaços dessa peça estavam espalhados pelo chão todo, debaixo de mangueiras e escondidos nos cantinhos de mais difícil acesso. Mas, com paciência e um pouco da minha sorte usual, encontrei todos os pedaços.

Percebi que o parafuso havia mesmo quebrado, e como não havia outro a bordo (agora tenho quatro, e vou trocar um a cada 1000 horas de uso!) tive que bolar um jeito de consertar aquele. Soldar não dava, então, cortar era a única solução. Mas, para cortar, tinha que cortar também a bucha que ficava na parte de cima do quadrante, segurando o braço na vertical. Com isso, a posição do braço ficou mais inclinada, mas o esforço no parafuso diminuiu. Com a ajuda da Lilian que me passava as ferramentas necessárias, cortei o parafuso, arrumei a rosca, cortei a bucha e estava pronto para testar se ia funcionar. Pedi ao Marcio para manter o barco o mais reto possível, sem mexer o leme, e fui para o sub-mundo de novo para instalar a peça restaurada.

Com um pouco de sorte, muito conhecimento do barco, bons conhecimentos de mecânica e muita concentração para não enjoar, depois de uns 20 minutos tinha consertado o piloto e pudemos contar com a ajuda dele para o resto da viagem.

No mais, continuamos com uma boa performance até a chegada a Natal, sempre muito próximos do Vmax2 e do PuraVida-RJ um Beneteau de 46 pés. Entramos no porto liderados pelo PuraVida, depois o Matajusi seguido pelo Vmax2. Só soubemos a noite, na entrega de prêmios, que havíamos conseguido o terceiro lugar na nossa categoria. Ganhamos nosso primeiro troféu, e nossa terceira medalha.

Estou muito satisfeito com os resultados que temos obtido em regatas, pois o Matajusi esta com mil quilos a mais do que seu peso normal, com todo o equipamento que instalamos a bordo, e mesmo assim, temos conseguido destaques como o quarto da regata de Caras de 2007, segundo no warm-up de Ilha Bela de 2007, segundo na regata Soamar de Vitoria de 2008, sexto na Refeno 2008, e terceiro na Noronha/Natal 2008. Só imagino se meu barco estivesse com seu peso normal....

Natal:

Chegamos a Natal no dia cinco perto do meio dia e fomos direto para o píer, lavar o barco e encher os tanques de água. Não é fácil essa vida de cruzeirista! Depois de mais de 24 horas navegando em mares bravos com ventos fortes, ajustando velas o tempo todo, com quase nenhum descanso, ainda chegamos a um porto e ao invés de irmos descansar, vamos lavar e arrumar o barco!

O Marcio e a Daniela tinham uma viagem para Caruaru de ônibus então ajudaram um pouco, mas logo foram procurar por condução para Caruaru. Depois soube que eles haviam conseguido um ônibus à noite e chegaram a Caruaru na manhã seguinte.

Admirável esse comprometimento dos dois de ajudarem famílias e crianças pobres!

Depois de amarrar o barco em uma poita, que para meu desconforto estava muito longe da frente do clube, tomamos um banho e nos arrumamos para participar da cerimônia de entrega dos prêmios. Ficamos surpresos e contentes com o terceiro lugar!

A festa proporcionada pelo Iate Clube de Natal foi bem melhor servida que a do Cabanga, com um preço por tripulante menor que 10% do que pagamos para participar da Refeno, algo a ser revisto pela organização da Refeno.

Nos próximos dias, preparamos o barco para hibernar em Natal até a nossa volta, que estimávamos para final de Novembro, mas agora sabemos que será em Janeiro de 2009, pois meus compromissos com a Harte-Hanks não me permitiram retornar mais cedo para o barco. Aliás, desde que comecei o projeto de volta ao mundo em um barco escritório, muitas coisas que na teoria deveriam funcionar, na prática não foram bem assim. Acho que para o interesse do nosso público, vou relatar um pouco dessa situação em uma próxima coluna.

Por sorte o Érico e a Renata, um casal muito simpático e prestativo que mora em Natal e estavam como tripulantes do Piatã, nos mostraram um pouco da cidade, nos levaram a alguns restaurantes típicos locais, além de nos ajudaram com lavanderia, casa de parafusos e ferramentas, e outras atividades afins.

Não deixamos de alugar um Buggy e fizemos o passeio completo das dunas, com todas as atividades criadas pelos nativos da região para entreter turistas. Incrível a criatividade desse povo local em utilizar as dunas características dessa região para montar atrações como tobogãs que deslizam na areia e caem em uma poça de água, ou o esquibunda, que consiste de cabos pendurados em uma duna alta, que passam por cima de um lago, onde os turistas descem por uma cadeira e batem com força a bunda na água. Depois eles são embarcados em uma jangada e levados para a borda da lagoa, onde sobem de volta ao alto da duna por um trenzinho improvisado com trilhos e um carrinho que é puxado por um motor velho de Kombi! Tudo isso sempre com as bancas de petiscos, vendendo entre outras iguarias, um espetinho de lagosta!

Esses passeios de buggy podem ser feitos com ou sem “emoção”!

Explico. Com emoção é quando o motorista faz manobras mais arriscadas como subir ou descer uma rampa inclinada em velocidade, ou fazer curvas com derrapagens, e coisas assim. Eu pessoalmente, como tenho experiência com corridas, fico mais atento a coisas do tipo, folga na direção, habilidade do motorista em controlar o carro em derrapagens, e nas duas vezes que fiz esse programa, achei pura sorte alguém não se machucar. Começamos pelo fato dos quatro tripulantes do Buggy não usarem cinto de segurança, o que pode ser até bom no caso de você ter que pular fora do buggy se ele começar a capotar, mas em outros casos, como em derrapagens, se você não estiver bem seguro, vai ficar para trás! Fico curioso em saber as estatísticas de acidentes com esses buggys. Recomendo alugar seu passeio, sem emoção!

Como tínhamos vôo para São Paulo no dia nove, passamos o dia oito finalizando o barco para deixá-lo em Natal. Contratamos o Claudio, um marinheiro do Iate Clube para cuidar do barco na nossa ausência, tiramos ele da poita que ficava muito longe da vista do clube e ancoramos bem em frente ao clube. Usei duas âncoras, uma Bruce de vinte quilos com uns quarenta metros de corrente, e uma Fortress com quinze metros de corrente mais uns trinta metros de cabo, armadas em V. Com um cabo menor, fiz uma cobertura do cabo da segunda âncora para que esse não desgastasse no atrito com o púlpito de proa. Cobri o barco com as lonas de proteção, e com o coração apertado, voltamos de avião para São Paulo.

Temos checado com o Claudio, marinheiro contratado em Natal, toda semana sobre o estado do barco, e, sabendo que dois barcos ancorados do lado do Matajusi já foram roubados, pedimos ajuda ao Érico para mudar a ancoragem do Matajusi para mais perto do píer do Iate Clube. São mesmo uma pena esses incidentes em Natal, pois isso desmotiva outros barcos de passarem ou ficarem por lá.

Preparando para sair:

Agora estamos nos preparando para sair do Brasil pela primeira vez, com planos de fazer Natal/Tobago em uma perna só. Serão 1.800 milhas náuticas, que na média de 7 nós, levaríamos entre 12 e 14 dias para alcançarmos Tobago, um dos portos de entrada de Trinidad & Tobago.

A lista é grande, entre documentos, remédios, check-ups médicos, propriedades, filhos, parentes e amigos, planos de viagem, mais equipamentos e reserva de equipamentos, material de abandono do barco em caso de naufrágio, roupas próprias em quantidades próprias, e assim vai.

Nosso plano é de voar de volta para Natal por perto do dia 10 de Janeiro, e passar os próximos dois dias preparando o barco para sair.

Depois da troca de óleo e filtros, revisão completa do motor e equipamentos, provisionamento, estamos prontos para largar âncora e partir para nossa aventura de volta ao mundo. A rota já tínhamos, então vamos seguir bem próximos da rota originalmente planejada, mas agora sem o compromisso de tempo. Saímos quando quisermos e chegamos quando chegarmos.

Com as experiências nas 3.500 milhas já navegadas, no Cruzeiro Costa Leste e nas regatas de Recife a Noronha e Noronha a Natal, aprendemos muito, e vamos usar nossa cada vez maior experiência e planejar viagens mais seguras e tranqüilas, quando o tempo permitir, saindo na maré certa e chegando na maré certa, aterrando de dia com o sol a pino ou por trás para facilitar a visibilidade do fundo, de preferência em flotilha e somente após planejar e plotar a perna inteira.

Vamos continuar escrevendo sobre nossas aventuras e experiências, e esperamos que nosso livro contado ao vivo, continue atraindo novos leitores e promovendo novos cruzeiristas.

As próximas colunas irão relatar essas experiências. Vamos tentar escrever a cada duas semanas, mas vamos depender de conexões em lugares mais remotos que ainda não conhecemos.

Convido meus leitores a se comunicarem comigo pelo e-mail matajusi@gmail.com.

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