domingo, abril 26, 2009

Ilha Grande e Ilha Linton - Panama:

Barcos Ancorados Em Linton
Ilha Grande e Ilha Linton - Panama:
(Fotos por Silvio Ramos e Lilian Monteiro).

Porvenir:

Com vento noroeste entre 15 e 25 nós, saímos tarde de Porvenir a caminho de Colon e já sabia que teríamos que parar no caminho ou chegar de madrugada em Colon. Como por aqui chegar à noite em qualquer lugar é sempre arriscado por causa dos corais, chamei o Tin Tin pelo radio e pedi uma sugestão de ancoragem que conseguíssemos chegar ainda de dia para o Guillermo, pois ele tinha o guia do Eric Bauhaus, muito melhor do que o do Zydler,  recomendado no livro do Jimmy Cornell. A primeira sugestão foi Miramar e mudei minha rota para lá, mas quando fui checar nos detalhes, a mudança me fazia passar por dentro do banco de Escribanos, então voltei à minha rota inicial, que havia preparado antes de sair de Porvenir e que passava por fora de qualquer baixio ou área de corais. O Guillermo do Tin Tin, chegou a sugerir outra ancoragem, na Ilha de Cuili, mas isso me desviava da rota original, então decidi seguir como planejado, e fomos para a Ilha Grande, na metade do caminho entre Porvenir e Colon.

Estudei muito as cartas que tinha, todas eletrônicas, pois sabia que iríamos chegar à noite, e isso foi muito bom, pois você sempre fica tentado a cortar algum caminho no visual, mas isso somente depois de conferir as cartas e ter certeza de que não tem nada pelo caminho. Por isso, resolvi passar por fora de tudo e não arriscar passagens estreitas.  Resolvi também ancorar atrás da Ilha Grande, ao invés de ancorar na baia de Porto Lindo, atrás da Ilha Linton, considerada a melhor ancoragem de toda a área, mas com uma entrada mais estreita.

Ilha Grande:

Chegamos à Ilha Grande por volta das 20:30h e fui, devagarzinho, me ambientando com o lugar, usando o radar e a sonda. Um truque para se ter mais confiança na carta é usar o radar em cima da carta e ver se os objetos estão no mesmo lugar na carta e no radar. Nem sempre isso acontece, como no caso de quando chegamos a Los Roques, mas por aqui, a carta parecia estar bem sincronizada com o radar. Mesmo assim, não podemos confiar, pois corais crescem e onde podia ter calado no passado, pode não ter mais, e como a noite não temos a vantagem da visibilidade, entramos bem devagar e ficamos atentos para qualquer barulho de arrebentação. Ancoramos, e preparamos o barco para irmos dormir.

No dia seguinte, fomos visitar a Ilha Grande de botinho. Descemos e andamos pelo pequeno povoado, tiramos algumas fotos, mas não tinha mesmo muito para se ver ou fazer por ali, então voltamos ao bote e atravessamos para o continente, para a vila de La Guaira. Lá encontramos uma vendinha aberta e aproveitamos para comprar alguns itens, pois nossas provisões estavam baixas.

Como à noite balançamos um pouco, resolvemos não ficar por ali nem mais um dia, levantando ancora rumo ao ancoradouro da Ilha Linton.

O Kan Chu me pediu para falar um pouco sobre nossas ancoragens e o Paulo Fax pediu para falar das documentações e seus custos, então vou tentar adicionar mais esses detalhes nos relatos.

Usamos uma ancora Bruce, de 20 quilos, e 50 metros de corrente de oito milímetros. Nossa ancora é superdimensionada, pois o indicado para o meu barco seria uma ancora de 15 quilos. A corrente esta dentro do parâmetro para o tamanho e peso do barco, mas o mais comum nos outros barcos de igual tamanho é de 10 milímetros. Em geral, procuramos uma área com areia para jogar a ancora. Por aqui é fácil identificar areia, dada a claridade da água. Antes eu usava o critério de 3 vezes a profundidade, aumentando para cinco ou mais quando o vento apertava, mas hoje em dia, uso os cinquenta metros sempre que posso, quando tem espaço para rodar, pois por aqui se diz que corrente dentro do paiol não tem serventia. O único problema com isso é o desgaste maior do guincho, mas a segurança aumenta. O vento em geral não muda muito nessa época do ano, então nem sempre é necessário usar uma ancora de popa, mas quando se ancora próximo ao continente, entra um terral e como sempre ancoramos o mais próximo do recife possível, para se pegar menos profundidade, um terral nos jogaria em cima do recife, então metemos uma ancora de popa. Minha ancora de popa é uma Fortress 7X, e em geral uso com 15 metros de corrente de 8 milímetros e cabo de 16. Eu primeiro ancoro de proa, e depois do parco parado, levo a de popa de botinho.

A Lilian já participa mais efetivamente quando ancoramos ou levantamos ancora. Em situações menos complicadas, ela vai gerenciar a ancora enquanto eu manobro o barco. Uma coisa que passamos a fazer, observando os outros barcos, foi soltar a roldana do guincho para deixar a ancora cair mais rápido. Antes eu descia a ancora no guincho e isso demora demais. Com vento forte fica difícil controlar o barco enquanto a ancora não chega ao fundo.

Ilha Linton:

Quando entramos na baia de Porto Lindo, fiquei impressionado com o numero de barcos ancorados por ali! Como haviam bóias e outros objetos não identificados pelo caminho, chamei no canal 72 procurando por alguma ajuda para entrar na área onde os barcos estavam ancorados, mas ninguém respondeu, só depois soube porque, a maioria dos barcos estavam vazios, alguns em avançado estado de deterioração! Alguns cruzeiristas simplesmente deixam o barco por aqui, sem qualquer cuidado, e voltam aos seus lugares de origem. Alguns não retornam mais, e os barcos vão ficando. O próprio barco usado pelo Eric Bauhaus, que escreveu o guia do Panama, estava ancorado do nosso lado, e bastante deteriorado pela exposição ao sol e maresia.  Conversando com os nativos sobre a opção de ir a Colon, todos sugeriram contra, pois estava muito perigosa a cidade e a única opção de ancoragem era a Shelter Bay Marina, que fica do lado Oeste da baia. Isso me preocupou, pois o custo em taxi entre Shelter Bay e Colon seria muito grande, e além disso, eu não havia recebido confirmação por email da marina de que havia lugar. Resolvi ficar em Porto Lindo e fazer o que tinha que fazer em Colon de ônibus.

Aproveitei à tarde para fazer um novo pão, mudando um pouco a receita da Nelly de Los Roques, para acrescentar uvas passas e mais açúcar, com menos sal, tentando chegar próximo dos mufins do Dunkin Donuts que eu gostava tanto de comer quando morava nos EEUU. Estou chegando bem próximo dele!

No dia seguinte sai para um mergulho e trouxe alguns peixes para suplementar nossa comida que já estava ficando escassa.  A gente acaba comendo as coisas gostosas no começo, logo depois que fazemos suprimento do barco, e depois só restam itens normais, que acabam ficando repetitivos demais.

Os macacos:

Na volta, enquanto limpava os peixes, para minha total surpresa, notei no píer da Ilha Linton um casal com uma menina de uns 6 anos, brincando com alguns macacos grandes, que logo reconheci como macacos aranha. Mas estranho! Eles andavam de pé, como humanos, e pareciam totalmente domesticados! Quando terminei com os peixes, chamei a Lilian e fomos para o píer, com algumas guloseimas de macaco para oferecer à eles.

Chegamos lá e, depois que dei uma boa encarada no macho que veio me provocar com tentativas de tapa na cara e de pegar meu chapéu, tudo parecia muito normal, então acompanhamos os macacos até uma casa que eles tomaram como sua. Estávamos alimentando o macho e a fêmea alfas (chefe) e na foto podemos ver a menininha entrando na casa dos macacos para alimentar uma outra fêmea que estava lá dentro. De repente a coisa mudou! O macho pulou para dentro da casa e atacou a menina. O cara que estava com ela tentou apartar com uma câmera e isso distraiu o macho que passou a tentar tirar a câmera do cara. A menina saiu da casa chorando e sua mãe a levou rápido para o bote deles, enquanto todos os macacos entraram em atitude de ataque. Nisso começo a sair de fininho, com uma das fêmeas me seguindo. Retornamos ao píer e para dentro do bote. Ufa! Quando não é pirata é macaco!

A partir desse dia passamos a alimentar os macacos quase todos os dias ao final da tarde, quando eles retornam da floresta e vem dormir na casa deles. Tivemos mais um incidente, quando os macacos pareciam estar na floresta e eu fui com a Lilian na ilha, bem no meio do território deles, para apanhar alguns cocos que haviam caído e estavam no chão. Quando eu estava bem no meio do terreiro, cortando a casca de um coco com o facão, percebi um movimento na casa, e de dentro saíram os três macacos em marcha rápida na minha direção. Gritei para a Lilian por o bote na água, pois o havíamos puxado até a praia, e comecei a andar rápido para a praia e depois para o bote, sempre olhando para trás. Uma das fêmeas estava me alcançando, então joguei um dos cocos na direção dela. Ela só olhou e passou a andar mais rápido ainda, o que me pôs a correr para o barco. Não que eu tenha medo de macaco, e ainda estava com o facão, mas, o lugar era deles e eu queria evitar um confronto onde eles, ou eu, podíamos nos machucar. Cheguei ao bote que a Lilian já tinha puxado para a água, e os macacos correram para cima da arvore onde estávamos embaixo. Eles pareciam que iam pular de lá nas nossas cabeças, então fiquei de facão pronto no caso de ter que me defender deles.  Nisso o macho perdeu o interesse indo para a floresta, e ficamos alimentando as fêmeas, eu de dentro d'água e elas penduradas próximas a mim.  Ficamos surpreendidos quando elas acabaram de comer e desceram para os ramos mais baixos para beber água do mar, que pegam com as mãos e viram para dentro da boca.

Com isso conhecemos o Don, nossa mais nova amizade relâmpago. Ele tem 52 anos, é descendente de alemão, nascido em New Orleans, e a mais de 20 anos morando em barco, agora no Windancer. Um dos entretenimentos dele é ficar parado de caiaque perto da ilha dos macacos, quando pessoas que não conhecem as regras dos macacos entram na ilha e algumas acabam sendo atacadas. Na semana anterior ele viu os macacos arrancarem um dos olhos do cachorro de outro barco ancorado por aqui. Eu vi esse cachorro depois, com somente um olho! Ele já viu os macacos arrancarem um pau das mãos de outro visitante, e o atacarem com o pau! Ontem soube de uma mulher que teve que levar mais de cinqüenta pontos pelo corpo, quando foi atacada pelos macacos.

Consegui duas versões sobre a existência dos macacos aranha na Ilha Linton, uma que eles pertenciam a uma família e quando cresceram e começaram a se comportar como macacos, eles os soltaram na ilha, e outra que eles eram usados nos treinos de sobrevivência na selva dos americanos, que quando foram embora os deixaram lá.  Eles já estão lá a mais de 8 anos.

Precisávamos fazer supermercado, então fomos de ônibus ($2.50/pessoa) até a cidade de Sabanitas à uma hora e meia de onde estávamos, fizemos compras no supermercado Rey e voltamos de taxi ($30.00).

Panamarina:

Precisávamos também de água para os tanques do barco, por isso fomos até a Panamarina, a uns 30 minutos de botinho da Ilha Linton e agendamos uma estada do barco na Panamarina. Eles tem internet (lenta, $2.00/hora), e eu tinha que mandar as fotos de San Blas para meu irmão Sergio para que ele as postasse no blog. Marcamos para daí a dois dias. Por aqui o tempo simplesmente passa... Não sei que dia, de que mês, ou que horas são.  Não temos compromisso nem agenda, simplesmente vivemos e aproveitamos as situações que se apresentam o mais que podemos.

No dia marcado, mudamos o barco para a Panamarina e passamos a comer no restaurante do Jean Paul e da Sylvia, donos da marina. O ossobuco deles é espetacular! Esperava passar uns dias por lá, abastecer o barco com água, e aproveitar para ir ate a cidade do Panamá para comprar alguns itens para o barco.  Enquanto estávamos por lá, usei bastante a internet, e ajudei a todos com seus problemas com os notebooks. Vírus, discos a muito sem reorganização, ou mesmo aqueles que não sabiam como fazer isso ou aquilo.

Tinha preparado uma lista que continha um gerador a gasolina de 2kva, um interface SeaTalk/NMEA novo pois o meu queimou. Estou guardando para a Marine Express me dizer por quê. Desconfio que o alarme alto que puseram dentro do barco, que é conectado por essa interface, puxou muita corrente da placa, pois quando estávamos no meio de muitos navios, ele tocava muito. Na lista tinha também baterias novas, e cabos de chupeta de bateria para eu usar para aterrar a targa, o guarda-mancebo e os brandais quando ancorado ou atracado. Dizem que isso tira a eletricidade estática do barco e evita raios.

Combinamos com um casal de franceses de racharmos um taxi ($160) e irmos procurar pelos itens nas nossas listas, e na volta ainda fazer um supermercado.  Contratamos o Jose, um taxista conhecido na Panamarina, que conhece muito bem a cidade do Panamá. Saímos as 7:30h e retornamos as 21:30h, um longo dia, mas, resolvi a maior parte das pendências do barco. Comprei um gerador Honda 2000 EU Inverter ($1,170.00), encontrei a placa NMEA ($158.00), comprei três novas baterias Optima Blue Top, 75apms ($340/cada) e dois cabos de bateria ($25.00/cada),  além de mais uma viagem para o supermercado.

Chegando ao barco, já fui logo preparando o gerador, pois tinha ficado nublado o dia inteiro, e as placas não haviam carregado as baterias o suficiente. Fiquei até a 1:30h da manha entre por óleo e conectar o gerador ao barco, ligar e carregar as baterias o suficiente para durar até de manha.  Funcionou uma beleza e agora não ligamos mais o motor do barco para carregar baterias, somente o gerador. Esse item é um dos mais importantes a bordo de um barco de cruzeiro, pois funciona em qualquer necessidade, seja porque a bateria do motor esta sem carga para dar no arranque, ou para carregar as baterias de serviço, ou para alimentar o 110 v do barco quando estamos trabalhando muito com computadores a noite.

No dia seguinte instalei as novas baterias, mudei a programação do Prosine 2000 para se adaptar às novas baterias, instalei a nova placa NMEA, e preparei os cabos de bateria para aterramento do barco contra raios. Tudo funcionando as mil maravilhas! Agora, se percebemos que não vamos ter bateria o suficiente para a noite, damos uma carga com o gerador antes de irmos dormir. Uns trinta minutos são suficientes.  As baterias agüentam até 15.7 volts e até 100 amps/hora de carga, mas uso no máximo 14.2 volts e 60 amps para não forçar muito.

No final, fomos para a Panamarina para encher os tanques de água, e eles não tinham água, então voltamos ao ancoradouro da Ilha Linton.


Comprei um equipamento de fazer água doce da água do mar ($5000) que deve chegar a alguns dias no Panama. Chama dessalinizador (watermaker) e separa todos os sais e minerais da água do mar, aproveitando 10% da água que filtra e jogando os 90% restantes de volta para o mar, aproveitando para limpar os filtros. O equipamento escolhido foi um Spectra 200T 12V que é modular, assim podendo ser instalado em lugares diversos no barco, trabalha com 12 volts, então usa a própria energia das baterias e dos alternadores e geradores do barco, e produz 30 litros de água doce por hora. Esse equipamento é importantíssimo no Pacifico, pois água por lá é ainda mais difícil do que por aqui. Hoje, quando queremos água para os tanques, temos que encher as garrafas de água de 5 ou de 10 litros que fomos comprando com água doce e guardando, e carregamos no botinho do lugar onde as enchemos, até o barco. Às vezes temos que fazer várias viagens.

De volta a Ilha Linton:

Através do Don, soubemos da Sarah,  uma americana em Porto Lindo que lava roupas para fora ($4/carga), e fomos levar algumas roupas para ela lavar. Deixamos o botinho na praia e fomos a pé. Na volta, resolvemos dar uma caminhada pela estrada de terra e encontramos o home-preguiça! O Roger é um americano de New Orleans com 72 anos que depois de viver uns 20 anos velejando pelo Caribe, chegou a Porto Lindo, comprou um terreno com uma vista linda para o mar, e construiu varias casas. Ele cria bichos-preguiça! Sabe tudo sobre eles! Tem quatro permanentes na sua casa, que criou desde filhotes, e mais umas 4 que vão e voltam para a floresta morro acima.  Uma, cada vez que tem cria nova, vem mostrar para o Roger e sua esposa Binnie. Ficam algumas semanas no seu grande quintal, e depois retornam para a floresta.

Nessa altura, chegaram o Tin Tin e o Ubatuba. Ancoraram também na baia da Ilha Linton e temos saído juntos. Fomos juntos para Colon de ônibus e escolhemos o dia errado, pois choveu torrencialmente o dia todo. Chegando a Colon, o Guillermo escorregou atravessando a rua e levou a Isabel junto para o chão. Ficaram ensopados e verdinhos do limo da rua! Aí resolvi chamar um taxista amigo do Don, o Rolando, e ele nos veio buscar. Passamos o dia tratando da documentação dos barcos e tripulantes. Primeiro à Imigração, tirar o visto. Depois, como a única funcionaria que carimba tinha ido almoçar, fomos à Capitania dos Portos para dar entrada dos barcos em Colon. Havíamos dado zarpe de Porvenir para Colon, e agora demos entrada em Colon, para depois pedir o zarpe de Colon para Balboa, do outro lado do canal. À tarde, de volta a Imigração, pagamos $30, mas não tivemos custo na Capitania. Fomos também à autoridade do canal e fizemos um levantamento do que seria necessário para cruzarmos o canal. Marcamos tentativamente o dia 10 de Maio para cruzar.

Andando em Colon, achei uma casa de autopeças e aproveitei para comprar óleo para o gerador, mais um ventilador 12 volts para o barco, esse mais especificamente para esfriar o carregador de baterias, pois esta esquentando muito, e um desses mini-compressores que trabalham com a energia do carro e são usados para se encher pneus. Eu vou usá-lo para re-encher as defensas, Pois elas são muito grandes e tomam muito espaço quando estamos em travessias, então vou esvaziá-las e tornar a enchê-las quando as precisarmos de novo.

Vou parar por aqui, aproveitando que estamos visitando o Roger e a Binnie e eles tem internet wireless high speed, então vou mandar o relato até aqui, e ver se consigo mandar algumas fotos.

Na próxima coluna vou relatar mais das nossas aventuras no Panamá.

Convido meus leitores a se comunicarem comigo pelo e-mail matajusi@gmail.com, e a acompanharem notícias sobre o Matajusi no site do projeto, www.matajusi.blogspot.com<http://www.matajusi.blogspot.com>.

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domingo, abril 12, 2009

San Blas


PorDeSolCruzerista
San Blas:
(Fotos por Silvio Ramos e Lilian Monteiro).

Cayo Holandês:

Chegamos a Cayo Holandês Oeste no meio do dia, ancoramos e arrumamos o barco. Queríamos ir logo pisar na primeira ilha de San Blas, então nos preparamos para ir de bote para a ilha. Enquanto nos preparávamos, chegou uma canoa com os dois primeiros Kunas que conhecemos. Eles vieram vender molas, um tipo de bordado peculiar dessa área. Apreciei o trabalho que era posto nessas molas, mas não compramos nenhuma, pois queria ver mais exemplos. Esse foi também nosso primeiro contato com um Kuna homem, mas com comportamento de mulher, o que chamaríamos de travesti. Tinha lido no guia do Panamá sobre essa característica em alguns Kunas, que decidem viver a mulher dentro do homem que eles são. Interessante que isso não tem nada a ver com preferência sexual, somente aparência externa.

Pegamos o bote e no caminho, passamos pelo Virginia, de bandeira italiana. Cumprimentamos o velejador que estava no cockpit, o que logo virou conversa e depois mais uma amizade relâmpago! Assim conhecemos o Claudio e a Marlise, ele italiano, motorista de caminhão e instrutor de vela, e ela suíça, hoteleira. Juntos fomos visitar a ilha Waisaladup. Andamos em volta da ilha, e logo encontrei a resposta de uma pergunta que me passou pela cabeça muitas vezes durante a navegada até aqui, para onde iam todos aqueles plásticos que estavam boiando! Pois é, com corrente e vento sempre nessa direção, não dá outra, eles acabam na costa das ilhas de San Blas! Que contraste! A incrível beleza de San Blas, com o volume de detritos flutuantes que se encontra nas ilhas de frente para o mar. Nessa ilha, não se fazia nada para limpar esses detritos, então eles se acumularam de uma forma intimidante. Só de pensar que esse problema não vai parar, e ainda vai piorar!

Andando mais um pouco, encontramos nossa primeira cabana Kuna, e nos aproximamos para conversar. Aí conhecemos uma criança Kuna albina.  Os albinos são comuns entre os Kunas e com os problemas de pele causados pelo sol, os albinos acabam não tendo uma vida longa.  Ela era da família do Julio, uma das famílias que cuidava daquela ilha. Conversamos bastante e achamos incrível como os Kunas são amistosos. Claro que há exceções, mas como regra, eles recebem a todos de braços abertos, sem qualquer sinal de resistência.

Já ia escurecendo e retornamos ao barco para jantar.  Combinamos um jantar para o dia seguinte. Eu me encarreguei do sashimi e o Claudio do peixe para a sopa. Soube que Marlise tocava um bom violão, então ofereci de levar a flauta. Enquanto o Claudio saia para mergulhar de bote, eu mergulhei por ali mesmo, em um lugar que o Marçal havia me recomendado.  Logo voltei com duas sororocas e um vermelho, excelentes para o sashimi. Depois do mergulho para pesca, levei a Lilian para mergulhar nos corais onde havia caçado, para tirarmos fotos com a câmara subaquática que a Tatiana havia me dado e conseguimos algumas fotos muito legais. O Claudio voltou no final da tarde com um xarel grande, mas de carne vermelha.

Depois disso fomos queimar o lixo dos barcos na praia. Eles nos ensinaram a fazer isso com o lixo, separando os vidros e latas para jogar em águas profundas, com as latas queimadas e furadas, para se desfazerem mais rápido, e as garrafas cheias de água e sem tampa, para afundarem.

À noite nos reunimos no seu barco, e veio também o Fabio, outro italiano que tinha um Sun Odissey 47 pés e se caracterizava por reclamar muito de viver sozinho.  Sugerimos a ele que fosse ao Brasil achar uma companheira! Ele gostou da idéia.  O sashimi, a sopa e o vinho estavam excelentes, e para encerrar, um bolo de chocolate. Quando terminamos, começamos a tocar. Que som fizemos! Músicas antigas italianas, algumas músicas brasileiras, músicas americanas, muito gostoso. Eu na flauta, a Marlise no violão, o Claudio e a Lilian no reco-reco e todos cantavam.  Memorável!

Acabamos ficando dois dias ancorados ali, depois seguimos o Claudio que ia mudar de ancoradouro. Resolvemos ficar próximos deles, pois eles já vinham para San Blas há seis anos e conheciam tudo por lá. Eles foram para o lado leste da Cayo Holandês Oeste, e fomos juntos. Ancoramos próximos a eles, sozinhos nessa baia com uma ilha pela popa. Vimos movimentos de kunas na ilha, e logo eles vieram para oferecer suas molas. Compramos algumas que gostamos e perguntei se eles gostavam de peixe. Que pergunta! Lógico que eles responderam que sim, então perguntei se eles queriam que eu levasse algum peixe para eles. Eles aceitaram a oferta, e isso me deu motivo para ir à pesca de novo. Estava incentivado com a idéia de fazermos conservas com peixes, pois havíamos visto a Marlise fazendo umas. Essas conservas duram até anos no barco, e ajudam na alimentação quando a pesca não é possível.

Vesti minha roupa de mergulho, e logo embaixo do barco já pego a primeira sororoca. O lugar abunda em peixes! Aí fui nadando para a barreira de coral entre as ilhas, e fiquei por la em um lugar que por algum motivo que não consegui identificar, tinha muito peixe. Acabei pegando mais quatro sororocas, um vermelho dentão e três xareus. Com os oito peixes na sinta, fiquei no lugar que por algum motivo tinha muito peixe de passagem, e não deu outra, despertei o apetite de um tubarão lixa que passou a me cercar, tentando pegar algum dos peixes no meu pendurico. Dei umas cutucadas com o arpão nele para afugentá-lo, mas não teve jeito, tive que voltar ao barco e deixar os peixes, tudo com o tubarão a tiracolo nadando do meu lado.  Fiquei um tempo no barco limpando os peixes, e resolvi voltar para pegar mais, mas dessa vez levei o bote. Não demorou muito e passou um cardume de uns 30 xareis grandes, todos com uns 8 kilos para cima. Eles nadavam muito perto de mim e muito rápido, ficando difícil escolher um para atirar. No fim, atirei bem no coração de um dos grandes, e fiquei um bom tempo brigando com ele na linha. Ele ficava dando voltas e mais voltas em mim. Eu, preocupado com o tubarão de novo, fui levando o bichão para o bote. Quando la cheguei, cutuquei muito as guelras para tirar o máximo de sangue,  e depois que não sangrava mais, o pus dentro do bote. Ainda peguei uma sororoca que ficou rodeando, e voltei ao barco para limpar mais uns peixes. Do xareu grande, fiquei somente com um pedaço de filé, o resto levei para a cabana Kuna para presentear os Kunas com o peixe.  Eles gostaram muito, e conheci o Ramon, chefe daquela família Kuna.

No dia seguinte, voltamos à ilha para conhecê-la melhor e gostamos do que vimos. Ela estava quase livre dos plásticos, pois eles queimam com freqüência os que por lá aparecem.  Ficamos um bom tempo batendo papo com o Ramon e um amigo dele que por la estava, pois cada vez me interessava mais em conhecer melhor esse povo, como viviam, o que pensavam, como viam o futuro.

À noite, o Claudio me chamou no radio, no canal 72, o usado em Kuna Yala (território Kuna) para chamada, e me disse que tinha acabado de ouvir no radio o pessoal do Ubatuba, um catamaran americano, com tripulação brasileira. Chamei o Ubatuba e o Andre respondeu. Falamos um pouco, e ficamos de nos encontrar no dia seguinte. Eles estavam em Côco Bandero, a algumas minhas a leste de onde estávamos. Peguei as coordenadas e fomos assistir um filme. Algumas vezes por semana assistimos a algum filme dos muitos que ganhamos de outros cruzeiristas. Receitas, filmes, cartas, softwares de navegação, logs de rotas traçadas, são todos moedas de troca no mundo cruzeirista. Em cada lugar que paramos, trocamos mais alguns desses itens com outros cruzeiristas.

No dia seguinte, nos despedimos do Claudio e da Marlise, agradecendo a primeira apresentação à San Blas que eles nos haviam dado, e seguimos para nos encontrarmos com o Ubatuba.

Coco Bandero:

Com uma entrada sinuosa na baia onde eles estavam, o Alexandre, pai do Andre, e o Andre vieram de bote nos mostrar o caminho entre os corais. Ancoramos perto deles entre três pequenas ilhas e logo fomos nos conhecer. No fim, o Alexandre é amigo do Marcio Dottori, e tinha uma loja de mergulho em Ubatuba. Ele teve um AVC há um tempo atrás, e resolveu largar tudo e ir conhecer o mundo de veleiro. Foi aos EEUU, comprou um catamaram de 43 pés construído na África do Sul, e desde então esta velejando, tendo passado pelas Bahamas, vários lugares do Caribe, Curaçao, Colômbia e estavam agora em San Blas. Eles haviam se juntado com o Guillermo e a Isabel, dois espanhóis do barco Thin Thin, de bandeira Inglesa. Ele é capitão de navio aposentado, professor de náutica, e tem uma didática fantástica para ensinar assuntos do mar. Na Espanha, ele criou uma empresa que constrói cursos de náutica (www.nauticafacil.com <http://www.nauticafacil.com>) e ficamos bons amigos. Desde que o conheci, tenho aprendido muito com ele, e agora estou me dedicando a navegação por astros usando o sextante. Tenho praticado com o sextante que o Marcio Dottori me emprestou, o mesmo que ele usou na sua viagem a Cape Town, e usado o software de curso de navegação astronômica que o Guillermo desenvolveu. Já consigo identificar algumas constelações e estrelas importantes, e consegui boas tomadas de altura do sol. Temos conversado sobre a idéia se criarmos um software com cursos em português para o mercado brasileiro, eu usando meus conhecimentos da indústria de software e ele seus conhecimentos náuticos. Vamos explorar mais essa possibilidade.

Nessa altura, minha volta ao mundo em 360 dias dá uma guinada das boas, pois algumas coisas estão me mudando a cabeça.

Em primeiro lugar, estou preocupado com o numero de dias com mar ruim que pegamos desde que começamos nossa viagem. Impressionante, mas acho que 60% do tempo, o mar estava ruim, 20% péssimo e somente 20% com mar calmo. Isso não esta batendo com as estatísticas que tinha ouvido de 6% de mar péssimo! Isso implica que ficamos muito tempo no mar, cansados de chacoalhar em mar ruim, e acabamos conhecendo pouco dos lugares por onde passamos, alem de passarmos por poucos lugares na ânsia de ir mais para a frente e cumprir a agenda.

Então, gostei da idéia do pessoal do Ubatuba e do Thin Thin, de irmos conhecer mais lugares e explorar melhor esses lugares. O programa agora é conhecermos bastante de San Blas, depois irmos a Santo Andrés e Providence, duas ilhas Colombianas na costa da Nicarágua, depois voltarmos conhecendo a costa norte-leste do Panamá, depois cruzarmos o canal e irmos para o sul pela costa, conhecendo mais ilhas. Não devemos passar por Galapagos, devido às restrições que se tem em passar por la. Ao invés disso, pretendemos ir para o Equador e Peru, fazer também algumas excursões por terra, e no ano que vem, partirmos para as ilhas Gambier, ao invés de Marquesas, talvez passando pela Ilha de Pascoa. Isso nos coloca em uma rota menos comum mas podemos entrar no Pacifico mais cedo pois as Ilhas Gambier não tem incidência de ciclones.

O Alexandre, Andre e Guillermo, todos são caçadores submarinos e foram mergulhar fora da primeira linha de arrebentação dos corais, mas eu estava com uma otite das bravas, e fiquei de molho. Eles voltaram com muitos peixes, e passaram pelo Matajusi para me deixar um vermelho de bom tamanho.  Como contribuição, me ofereci para fazer um peixe ao paraíso, uma receita que desenvolvi de uma prato que comia no Badaue em Juquehy, onde fica minha casa de praia. Ele consiste em peixe cozido em molho de pimentões vermelho e amarelo, com cebolas, em um caldo de leite de coco e coco cortado em fatias bem finas.  O prato foi aprovado por unanimidade.

Ficamos alguns dias em Cayo Bandero Leste, fazendo praticamente nada, como bons cruzeiristas, mas organizamos um churrasco de peixe na ilha Tiadup que tinha uma cabana Kuna desocupada e uma área para a fogueira já preparada.  Enquanto estávamos preparando os peixes, chegou a família Kuna que ocupava a Ilha. Eles ainda pediram desculpas por nos incomodar na sua ilha, e disseram que sairiam no dia seguinte! Eu havia preparado o xarel com farinha de trigo no forno, e ofereci para a família kuna. Todos aceitaram comer. A Lilian acabou fazendo amizade com o pessoal da família, e acabaríamos nos encontrando mais vezes com eles durante nossa estada em San Blas.

O churrasco estava ótimo, feito em um prato de antena de satélite da DirectTV que eu havia achado no lixo em Los Roques. Acabou se tornando uma excelente chapa para churrascos. No fim, a demos de presente para a família Kuna quando eles partiram no dia seguinte.

Nesse dia aprendi que os Kunas fazem poços no meio das ilhas, e que a água do mar filtra por baixo das ilhas e enche o poço de água. Essa água não chega a ser doce, mas eles a bebem. Eles em geral tem dois poços, um para beber e um para tomar banho.  Soube também que a ilha a nosso bombordo tinha um bom poço onde os cruzeiristas lavam roupa e tomam banho, então fomos para la com o mesmo intuito. De roupas lavadas e banho com água a vontade tomado, estávamos prontos para a próxima aventura.

Nargana:

No dia seguinte seguimos para Nargana, uma aldeia em uma ilha bem próxima da costa, pois o Alexandre ia de avião para Panamá City para fazer algumas encomendas de itens que precisava para o barco e tem um campo de pouso por lá.  Ancoramos entre a aldeia e a costa, e ficamos dois dias por ali. Aproveitamos para fazer uma exploração do interior subindo o rio Diablo de botinho. Vimos muitos pássaros, gaviões e um esquilo negro.  Visitamos também a aldeia Kuna de Nargana, e aproveitamos para comprar água (US$10 para 240 litros) e gasolina (US$3,5 Galão) para o barco. Além disso pagamos US$ 5 com direito a recibo para ficarmos ancorados por lá. Esse é um costume Kuna, cobrar pelas ancoragens, mas essa foi a primeira vez que nos cobraram.

Depois de uns dois dias em Nargana, resolvemos ir a Porvenir, registrar a entrada do barco em San Blas. Isso deveria ter sido feito quando chegamos, mas com tudo acontecendo em nossa volta, acabamos deixando para mais tarde. Em consideração, fizemos o trecho Curaçao/San Blas em quatro dias. Outros veleiros costumam fazer em seis a oito dias, então tínhamos alguns dias para aproveitar antes do registro.

Cayo Lemon:
Navegamos para Porvenir, parando em Cayo Lemon Leste, onde re-encontramos o Claudio e a Marlise do Virginia. Batemos um bom papo, mas eles já tinham compromisso então não rolou aquele som de novo.

No final da tarde, chegou o Guelardo, um kuna que pediu uma carona para Porvenir para fazer compras. Concordamos e dissemos que o pegaríamos mais tarde em Uchutupu, uma ilha parte da Chichime Cays onde ele mora com a família. Chichime fica mais ao norte-leste de onde estávamos, então tivemos que navegar pelo meio de algumas ilhas e baixios para chegar lá.

Pegamos o Guelardo, que trouxe sua mulher, filho e filha, e fomos juntos para Porvenir.

Porvenir:

Ancoramos em Porvenir e primeiro levei a família Kuna de botinho para Nalunega, uma ilha próxima a Porvenir, onde eles iam fazer compras, depois voltei para pegar a Lilian e irmos à Imigração, Capitania dos Portos e Representação de Kuna Yala. Primeiro fizemos a Imigração (US$30) com o famoso e temido Ricardo, mas como somos brasileiros, falamos muito de futebol e acabamos amigos.  Depois fomos à Representação da Comarca de Kuna Yala e falamos com o Dalberto. Eles nos cobrou pela ancoragem do barco em San Blas por um mês ((US$24) e nos disse que não deveríamos pagar mais nenhum centavo para os Kunas locais, somente apresentar o recibo que ele nos deu. Depois tentamos fazer a Capitania dos Portos, mas como o famigerado Alexes estava almoçando, o Dalberto nos disse que se não fossemos fazer já a partida de San Blas, que não precisávamos passar pela capitania, então fomos embora. Isso acabou sendo um erro que quase nos custou US$100 na próxima parada por Porvenir!

Pegamos o Matajusi e fomos ancorar na frente de Nalunega, onde estava o Guelardo nos esperando. Na ancoragem, algo saiu errado com o guincho que não queria mais descer ou subir. Acabei ancorando na mão mesmo, mas fiquei preocupado, pois minha ancora de trabalho tem vinte kilos, com mais cinqüenta metros de corrente de oito milímetros, pesando um kilo e meio por metro!  Com a maioria das ancoragens por aqui precisando entre trinta e cinqüenta metros de corrente, eu teria que abaixar e subir um peso de quase cem kilos e com certeza isso iria me criar um problema nas costas!

Desembarcamos e fomos ver o que havia de bom para comprarmos, pois nossas provisões estavam já no final. Encontramos geléia de uva e pasta de amendoim, além de uma dúzia de ovos.  Retornamos ao Matajusi e tive que tirar a ancora na mão, com a Lilian tocando o barco para a frente. Até que não foi muito difícil, pois o mar estava calmo e tinha pouco vento e corrente. Fiquei só imaginando o que poderia ser se o vento e a corrente fossem fortes, pois a Lilian ainda tem muita dificuldade em controlar o barco em baixa velocidade.

Levamos o Guelardo e família para Chichime, onde tentei ancorar, mas com vento e corrente fortes, a Lilian não conseguiu manter o barco enquanto eu trabalhava com a ancora reserva, uma fortress de sete kilos, quinze metros de corrente de oito milímetros, e sessenta metros de cabo de nylon de dezesseis milímetros, então decidi não ancorar por ali e voltamos para Cayo Lemon Leste, onde sabia que tinha uma ancoragem mais rasa e com maior área de escape pela popa.

Cayo Lemon:

Chegando la, soltei a ancora reserva e depois de confirmar que estava bem ancorado, fui trabalhar no guincho. Em primeira analise, percebi que o motor estava travado. Não havia outro jeito, tinha que desmontar. Fui tentando daqui e dali, ate que consegui desmontar. Nesse processo percebi, que o estaleiro tinha montado o guincho torto e isso estava desgastando demais um dos lados da grelha que recolhe a corrente. Percebi também que uma engrenagem dentro estava com o miolo completamente desgastado, criando uma folga enorme entre engrenagem e o eixo por onde ela rodava. Imaginem trabalhar em algo cheio de graxa, na popa do barco todo salgado, pois a tempo não chove! Para desconforto da Lilian, pois o combinado é que eu conserto e ela limpa a sujeira depois, foi graxa pra todo lado!  Pra piorar, grudou graxa na minha perna e pés e isso ajudou a transportar graxa por todos os lugares do barco por onde eu passava!  Fiquei até tarde da noite fuçando no guincho e deixei tudo preparado para montá-lo no dia seguinte.

Fiquei a noite toda me remoendo em como ia consertar o miolo da engrenagem, e lembrei de uma bucha que o estaleiro tinha usado no parafuso do braço do piloto, aquele que substitui por uma peça em aço inox, e rezei para que a medida fosse a mesma.

No dia seguinte, procurei a bucha e confirmei que a medida não era a mesma, mas era próxima e a única coisa que eu tinha para tentar arrumar o guincho, mesmo que temporariamente, até chegarmos ao Panamá e eu encontrasse uma peça de reposição para o problema. Fiz todas as medições com o paquímetro e serrei a bucha do tamanho das minhas medições. Adicionei quatro arruelas de aço inox, duas para preencher o desgaste que a engrenagem tinha feito na carcaça do guincho, e as outras duas para manter a engrenagem mais no centro e prensada entre as pontas, para diminuir o movimento que ela poderia ter por estar um pouco frouxa. Montei tudo certinho, o que deu um trabalho incrível, pois o fio do motor não queria encaixar no lugar certo, e depois de tudo montado, testei o guincho, e, não funcionou!

Sem desespero, desmontei tudo de novo, agora com muito mais graxa, e fui procurar outro motivo para o motor estar travado. Nessa altura, desmontei todas as engrenagens, com uma duvida se jamais iria acertar montar todas aquelas peças novamente, mas encontrei o problema. Tinham caído duas porcas das tampas de três engrenagens de redução que ficam anexas à engrenagem do eixo do motor, e isso tinha travado o sistema.

Tirei as porcas, que estavam completamente destruídas pelo esforço, limpei tudo, consertei as peças que haviam entortado, a marteladas e com a lima, e tentei montar de novo, no seco, sem graxa, para ver se funcionavam bem. Com isso percebi alguns problemas em algumas engrenagens que haviam sofrido esforço quando as porcas travaram o sistema, acertei tudo na lima, e depois que tudo funcionava perfeitamente, ou quase, repus as porcas que haviam sido prensadas por outras que tinha na minha caixinha de porcas e parafusos, enchi de graxa de novo e fechei.

Remontei o guincho e para surpresa e alívio geral, funcionou.  Dizem que eu tenho um dom para esses trabalhos, mas o fato é que, se eu não fizer quem o faria?  Um capitão, mesmo sem esse dom, tem que dominar esses problemas que vão acontecendo se quiser ser independente no mar.

Troquei as ancoras e, tudo funcionando, levantamos ancora e fomos nos encontrar novamente com o Ubatuba e o Thin Thin, que haviam saído de Nargana e agora estavam na aldeia do Tigre.

Tigre:

Eles nos deram a localização e fomos para o Tigre. Chegando la, havia uma certa dificuldade em entrar na baia protegida pois estava cercada por recifes e era difícil localizar o caminho certo. Por sorte, tinha uma canoa motorizada Kuna passando por lá e o Kuna que estava no motor nos deu a referencia de entrada. Isso acabou sendo o começo de mais uma amizade relâmpago, o Leonardo, um guia Kuna que ficou muito nosso amigo enquanto estávamos no Tigre.
Para nossa surpresa, re-encontramos aquela família Kuna que havíamos conhecido no churrasco de peixe em Tiadup. A Caroline, filha da Madalena, que tinha ficado muito amiga da Lilian, passou o tempo todo abraçada com a Lilian andando para baixo e para cima na aldeia. Incrível com são amistosos!

Contratamos o Leonardo para nos levar em uma excursão pelas trilhas Kunas no continente, e pisamos em terra de continente de novo pela primeira vez desde que saímos do Brasil. Passamos o dia subindo a floresta, seguindo alguns riachos e os canos que levavam água doce para a aldeia do Tigre, comendo mangas e cajus pelo caminho. Ficamos surpresos de encontrar cajus por aqui, fruta que eles chamam de marañon. No caminho, passamos pelo cemitério Kuna, lugar que eles tem orgulho de mostrar e o Leonardo nos deu uma lição de costumes Kuna. O melhor da excursão foi encontrarmos algumas daquelas ranzinhas coloridas super venenosas que são comuns nas florestas por aqui. Eu só as havia visto em filmes, e aproveitei para tirar umas fotos.  Quando paramos no topo, onde fica a tomada de água do sistema de água doce deles, encontrei um fosso com pitus, cacei alguns e comi cru mesmo. Um gosto um pouco forte, mas, proteína.

Na volta, conversei com o Leonardo sobre um som de flautas que havia ouvido na noite anterior e ele me disse que vinha da dança que os Kunas faziam. Pedi para ele nos levar a noite e se eu podia tocar flauta junto com eles. Ele disse que ia organizar, e isso passou a ser o programa da noite. À noite, fomos assistir a um espetáculo promovido pelo maestro kuna da aldeia. Eram oito flautistas, com flautas feitas de taquara, que faziam um som maravilhoso quando tocadas juntas em uma harmonia única.  Eles todos dançavam, acompanhados por mais oito dançarinas Kunas. Compartilharmos essa dança junto com eles foi algo para nunca mais esquecermos. Eu imitei o som das flautas deles na minha flauta e os acompanhei um pouco. No final, eles pediram para nós tocarmos e dançarmos. Eu logo topei, mas não tiveram outros voluntários do nosso grupo, então encerramos a noite e voltamos ao barco para dormir.  Durante a dança, o Leonardo ficou do meu lado e ia me explicando os costumes Kunas. Ele disse que tinha que ir à Colon para comprar os materiais escolares para seus filhos. Eu ofereci para ele vir comigo de barco para Colon no dia seguinte. Ele disse que iria pedir ao conselho Kuna se podia, e se eles permitissem, sairíamos em dois dias.  Esperei por ali, preparando o barco para a viagem a Colon, mas no dia seguinte o Leonardo veio ao barco e com muito pesar disse que tinha sido contratado como guia no dia nove, e que não dava tempo de ir a Colon comigo. Como eu já estava de cabeça feita sobre ir a Colon, preparei o barco e parti.

Porvenir:

Para sair de San Blas, tinha que retornar a Porvenir e pegar o “zarpe”, a documentação de saída de San Blas, então partimos em direção a Porvenir, mas paramos em Cayo Lemon mais uma vez para dormirmos e eu poder dar uma pescada, pois não sei quando vou poder mergulhar de novo. Chegamos a Cayo Lemon no final da tarde e sai rapidinho para um mergulho. No limite da luz do dia, consegui um vermelho e voltei ao barco para limpa-lo. Cedo no dia seguinte fomos para Porvenir, a apenas meia hora de navegada de distancia. Foi ai que percebemos que tínhamos documentação a menos, pois faltou a permissão do barco para transitar em águas do Panamá, algo que não havíamos feito quando viemos a Porvenir fazer a entrada, porque o Alexes estava almoçando e recebemos o conselho de que não precisávamos falar com ele se não estávamos partindo.  Isso nos custou muito papo para não receber uma multa de US$100, algo assim como, das 10:30h até as 12:30h! O Alexes, temido por todos, oficial da Capitania dos Portos, um tipo rancoroso e cheio de manhas, falou muito, mas, nosso jeitinho brasileiro ajudou mais uma vez. Fomos desviando a conversa e duas horas depois conseguimos toda a documentação que precisávamos para sair de San Blas (US$60). Ele pediu para informarmos às brasileiras jovens e solteiras, que, pelo menos em Porvenir, ele não é casado e gostaria de ter uma “secretaria” que pudesse lhe fazer companhia! As coisas que temos que ouvir...

Para encerrar esse relato, deixem me falar um pouco sobre trabalho no barco. Agora que tenho email a bordo via SSB, faço emails duas ou mais vezes por dia, e participo de tudo que esta acontecendo no escritório. Também vejo todos os dias os emails do Matajusi e respondo àqueles que me perguntam algo ou fazem comentários no blog.  Escrevo também os relatos, o que me custa uns dois dias a cada duas semanas, e agora os tenho passado por email SSB para meu irmão Sergio, que esta me ajudando com a manutenção do blog.  As fotos, so vou poder passar quando tiver acesso a uma lan-house, pois o volume não é suportado pelo email SSB.

Tenho visto que o trafego de leitores no blog tem aumentado. Acho que isso se deve ao fato dos relatos não estarem mais disponíveis na Náutica Online. O pessoal da Náutica tentou uma negociação comigo para postarem novamente os relatos lá, mas achei que já que havíamos feito a transição, seria melhor manter como está e assim fico totalmente livre para escrever como quiser sem ter que passar por censura ou outros interesses.

A Cristina continua cuidando de todos os meus interesses e contas, e meu irmão Syllas é meu procurador geral no Brasil. Sem a ajuda deles, minha viagem seria impossível

Na próxima coluna vou relatar mais das nossas aventuras no Panamá.

Convido meus leitores a se comunicarem comigo pelo e-mail matajusi@gmail.com, e a acompanharem notícias sobre o Matajusi no site do projeto, www.matajusi.blogspot.com<http://www.matajusi.blogspot.com>.

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