sábado, setembro 30, 2006

A Escolha do Barco


Uma vez decidido a dar uma volta ao mundo em um barco a vela, o próximo passo foi procurar o barco ideal para esse fim. Como não sabia nada a respeito do assunto, e por sugestão do André Homem de Melo, comprei os livros do Jimmy Cornell e comecei a ler. Aliás, um livro fabuloso, que deve ser lido antes de uma travessia a vela, é o World Cruising Essentials do Jimmy Cornell. Neste pouco conhecido e divulgado livro, Jimmy compila a opinião de mais de quinze mil comandantes cruzeiristas, que acumularam mais de dezoito milhões de milhas náuticas navegadas, e acumula sua experiência em organizar vinte e sete travessias oceânicas e cinco voltas ao mundo.

Na minha análise, levantei várias perguntas a serem respondidas pelas minhas pesquisas, como, o tipo e tamanho do barco, o material usado na construção, se importado ou nacional, o custo final, além de itens como segurança, conforto, e principalmente, a facilidade de navegação em solitário, uma necessidade mesmo quando velejando com tripulação, no caso da tripulação adoecer ou mesmo desistir no meio do trajeto.

O tipo foi definido depois de muitas conversas com velejadores experientes como o Marcio Dottori e o Andre Homem de Melo, optando pelo monocasco.  Essa opção foi depois confirmada durante a leitura do livro do Jimmy, pois na tabela de tipos de barcos usados na maioria das travessias, o monocasco correspondia a 88% dos barcos. Quanto ao tamanho, tive que considerar o custo, pois quanto maior, mais caro, assim como a facilidade de comandar em solitário, pois quanto maior mais difícil, e cheguei a conclusão que um 40 pés seria o ideal. Essa conclusão foi também endossada durante a leitura do livro do Jimmy, pois 50% dos barcos usados nas travessias oceânicas estão entre 35 e 45 pés. Outro dado interessante foi a preferência dos comandantes pesquisados, onde 50% disse preferir um barco entre 35 e 45 pés.

Agora que o tipo e o tamanho do barco estavam definidos, fui procurar dados sobre materiais de construção. Ouvi muito sobre os prós e contras de cada material usado, onde o alumínio parecia ser o preferido, depois o aço, depois a fibra e por último o de madeira. Cheguei a visitar um barco de aço construído no sul, mas achei ele quente demais, e fiquei preocupado com os arranhões e ferrugens que já apareciam no barco inteiro, tendo ele saído do estaleiro a menos de 6 meses. Os de alumínio estavam fora do orçamento, então, restou a opção do barco feito com fibra.

Eu particularmente gosto mais desta opção, pois acho a fibra mais bonita, de mais fácil manutenção, e mais leve, além de ser um pouco elástica.  Se o casco for bem projetado e bem construído, não deve ficar devendo nada para os barcos em aço e alumínio.

Com todos esses itens já resolvidos, o próximo passo foi procurar um estaleiro nacional ou opções dos importados. Estávamos na ocasião do São Paulo Boat Show, um excelente lugar para eu começar minha procura. O Marcio Dottori me acompanhou na visita a todos os estaleiros representados na feira, e basicamente tínhamos quatro opções de barcos de 40 pés, o RO 400, o BB 40, o Bavária, e o Beneteau. A escolha do barco é uma decisão pessoal de cada comandante e vai variar de comandante para comandante. Posso somente elaborar as causas que me levaram a fazer a minha escolha.

O Bavária e Beneteau, sendo importados, custam mais caro, principalmente por conta dos impostos de importação. Além disso, o Bavária, nessa mesma época, tinha tido alguns problemas de fabricação, onde vários barcos perderam a quilha em uma travessia, e o Beneteau, eu tinha alugado um em Granada em 2003, e achei um barco de construção em serie, mais apropriada para o Caribe e sem a atenção especifica durante a construção, para uma volta ao mundo.

Com isso, restaram o BB 40 e o RO 400. O BB 40 é um barco construído com a intenção de ganhar regatas, tanto que veio a ganhar a última regata de Ilha Bela na sua categoria, com o RO 400 chegando em terceiro com uma versão cruzeiro. 

Agendei então uma visita ao estaleiro ILS em Joinville para ver a fabricação do RO 400, e uma saída no BB 40 em Parati. A saída no BB 40 nunca aconteceu, pois o pessoal da Regatta não me ligou conforme o combinado. De qualquer forma, depois de optar pelo RO 400, tive a oportunidade de ver o BB 40 na água no RJ Boat Show esse ano, e pude confirmar minha preferência pelo RO 400.

Na minha visita á ILS em Joinville antes de me decidir na compra, pude ver o processo de fabricação do primeiro e segundo barcos sendo construídos no Brasil. O que me chamou muito a atenção foi o fato do projeto RO 400 ser um projeto espanhol, já com bom sucesso na Europa, onde a fábrica, antes na Itália, havia sido transferida para o Brasil, em outras palavras, um barco Europeu de desenho novo e linhas modernas, mas fabricado no Brasil, com custo de nacional e sem custo de importação!

Nessa visita à ILS, não existia ainda nenhum RO 400 construído no Brasil, pronto e navegando, então tinha um pouco de risco nessa escolha. Avaliando o risco, decidi pesquisar quem eram os compradores na minha frente, e percebi que eram comandantes já com bastante experiência, o que me deixou um pouco mais confortável. Mesmo assim, até os primeiros barcos serem postos para navegar, ficava uma preocupação, mas, acreditei e fechei o negócio, desde o começo, com a condição de que meu barco seria fabricado com a atenção e cuidados especiais, pois iria passar por provações além dos outros barcos irmãos, sendo o primeiro RO a dar uma volta ao mundo.

Se eu tinha alguma preocupação com relação ao RO 400, ela se dissipou totalmente quando pude ver os primeiros dois barcos na água, inclusive com a oportunidade de comandar, mesmo que por alguns instantes, o primeiro RO 400 feito no Brasil, o Scirocco, na Baia de Guanabara, por ocasião do RJ Boat Show. Depois disso, me tornei um parceiro e amigo do Negrini, dono do Mestiço, o segundo RO 400 a ir para a água. Nas minhas conversas com o Negrini pude sentir o contentamento que ele teve na troca do FAST 35 que ele tinha antes, pelo RO 400, segundo ele, um barco muito ágil e fácil de ajustar ao vento.

Agora, com o barco escolhido e o negocio fechado, preferi que meu barco fosse construído um pouco mais para frente, uma para me facilitar o pagamento por um período maior, e segundo, para que todos os possíveis problemas de fabricação do barco no Brasil, já tivessem sido solucionados.

O MATAJUSI, um RO 400 construído pela ILS em Joinville, estará pronto no final de Outubro de 2006. Eu tinha duas opções de cores a serem escolhidas, o azul e o branco. Minha preferência ficaria com o azul, um barco muito distinto, mas, depois de mais algumas pesquisas e considerações, me decidi pelo branco, pois, sendo minha volta ao mundo projetada para a rota dos ventos alísios, e, portanto na altura do equador, a cor do barco pode influenciar em uma diferença de até 5 graus na temperatura interior. O branco reflete os raios solares melhor do que o azul.  Isso poderia ser resolvido com um ar condicionado, mas, para tanto, teria que ter também solução para a energia para tocar o ar condicionado, o que, em uma viagem de volta ao mundo, é um dos itens de maior preocupação e complexidade, pois o barco navega a vela, e, portanto, sem o motor ligado para alimentar os alternadores que por sua vez alimentam as baterias e essas, o ar condicionado.

Mas, vamos deixar para falar sobre as necessidades que eu especifiquei para o meu barco para dar a volta ao mundo, no proximo relato, onde estarei escrevendo sobre essas considerações e sobre as modificações a serem feitas no MATAJUSI, algumas durante, e outras, depois da construção e entrega do barco completo em Outubro de 2006.

Até o proximo relato!

sexta-feira, setembro 29, 2006

Por que uma volta ao mundo?


20/09/2006
Após a apresentação do primeiro relato, chegou a hora de eu explicar um pouco melhor o projeto que vai me levar a dar a volta ao mundo em um barco a vela. E é sobre esse projeto que vou escrever nesta segunda coluna.

Diferentemente de outros velejadores como Aleixo Belov — que já deu sua terceira volta ao mundo a vela — ou a família Ceccon — que decidiu morar em um barco e dar a volta ao mundo — eu não nasci e cresci com essa idéia de volta ao mundo ou morar em um barco. Isso se desenvolveu como resultado do meu crescente interesse pela navegação a vela, combinado a meu gosto por riscos. O risco da alta velocidade vai diminuir, mas outros riscos a serem discutidos nos próximos capítulos devem substituir a alta velocidade.

Minha maior experiência na vela foi uma travessia que fiz no Caribe em 2003, da ilha de Granada até a Ilha de Union, quando, sem nunca ter saído sozinho em um barco a vela, aluguei um veleiro de 40 pés da Moorings e, na companhia de minha então esposa, Julie, passamos 10 dias navegando entre Granada, Carriacou, Union, PSV e de volta até Granada.

Fora uma vela mestra rasgada — quando eu navegava com todo pano bem próximo à costa de Carriacou e não vi uma tempestade chegando — e alguns dribles das fortíssimas correntes na “kick them Jenny” e na entrada na baía de Clinton, em Union Island, a viagem foi muito boa e meu deu um gosto por aventuras à vela.

De repente, reuniram-se todos os ingredientes necessários para desenvolver esse projeto de volta ao mundo: uma vontade de fazer mais viagens como a de Granada; algumas economias que me possibilitassem a construção de um barco a vela; adicionados a meu gosto por risco, tive todos os ingredientes necessários para desenvolver esse projeto de volta ao mundo. Lógico que eu deveria começar por umas viagens longas pela costa do Brasil, mas aquele gosto pelo risco, me pegou de novo!
Estamos em setembro de 2006, e nesse momento estou começando a documentar meu projeto. Estarei relatando cada aspecto do projeto na medida em que ele vai se desenvolvendo. Esses relatos serão publicados em todo ou em partes pela revista Náutica, e, depois do projeto encerrado, o relato completo, que deve incluir períodos e eventos da minha vida, será publicado em livro.

Nos próximos relatos, estarei discutindo:

a procura do barco;
a escolha do estaleiro;
as modificações feitas no barco para esse tipo de viagem;
o desenvolvimento da rota, com definição das datas de partida e de passagem por cada perna definida;
estudos e pesquisas necessários para o projeto;
os ajustes às idéias iniciais;
a documentação necessária, seguros e outras providências do ponto de vista financeiro;

Tudo isso continua até os preparativos finais e a partida oficial, que será do Guarujá em São Paulo e esta estimada para o inicio do inverno de 2007, para aproveitar ventos e correntes mais favoráveis para a subida da costa brasileira.

Mas minha idéia não é parar por aí. Os capítulos seguintes serão escritos do próprio barco e relatarão cada perna da viagem, até o termino dela, estimado para Dezembro de 2008, cruzando o Atlântico de Cape Town na África, passando por Santa Helena e chegando de volta ao Guarujá.

Dei ao projeto o nome de Matajusi, pois não existe nada no mundo com esse nome, além de ser a primeira sílaba dos nomes dos meus dois filhos, Marcio e Tatiana, mais o nome de minha ex-mulher e companheira de muitos anos Julie, e o meu, Silvio, assim, carregando comigo nessa empreitada, o que há de mais importante na minha vida até esse momento.

Até o próximo relato!

terça-feira, setembro 19, 2006

Quem sou eu e o que é o Projeto Matajusi


19/09/2006
Olá! Meu nome é Silvio dos Passos Ramos, e este é o primeiro contato de vários que eu espero ter com vocês. Eu tenho uma vontade, que está prestes a se tornar realidade, e vou compartilhá-la com vocês desde os primeiros passos.

Voltando a minha apresentação, sou brasileiro, tenho 58 anos, divorciado 3 vezes e com dois filhos, a Tatiana com 27 anos, do segundo casamento e o Marcio com 19, do terceiro. Sempre fui um apaixonado pelo mar. Tenho casa em Juquehy, barco a motor em Barra do Una, e pratico mergulho em apnéia e caça submarina desde os 17 anos de idade, tendo mergulhado em muitos lugares do Brasil e do mundo.

Entre os amigos e colegas de trabalho, minha característica mais conhecida é gostar e lidar bem com altos níveis de risco. Gosto de velocidade em quase tudo que faço. Dirigir carros, motos, lanchas, trabalho e tudo mais em alta velocidade, além de correr de kart há cinco anos, tendo ganho muitas corridas, e conquistado alguns campeonatos. Participando das 500 milhas de Kart da Granja Viana já tive a oportunidade de correr com vários dos melhores pilotos da atualidade, como Rubens Barichello, Felipe Massa, Tony Kanaan e o colombiano Pablo Montoya.

Há algum tempo venho analisando os níveis de risco a que me submeto no meu dia a dia, e resolvi investir na diminuição deles, principalmente nos relacionados às altas velocidades.

Sou amigo de infância do Marcio Dottori, quem eu considero o maior especialista em barcos do Brasil. Ele sempre me incentivou a desenvolver minhas habilidades na vela. Tenho livre acesso e navego bastante sozinho com o Carapitanga, o veleiro de 29 pés que o Marcio usou para cruzar o Atlântico até Cape Town, na África do Sul.

Profissionalmente, sou gerente geral de uma multinacional americana, responsável pela região da América Latina, com escritório no Brasil, e trabalhando na abertura de escritórios no México e Argentina. Estou em uma fase onde os resultados do meu trabalho já me garantem uma vida confortável, e em alguns anos devo estar me aposentando para curtir o resto da vida, usufruindo do que construí até então.

Toda essa introdução serve para explicar um pouco a razão pela qual resolvi desenvolver um projeto que vai me levar a dar a volta ao mundo em um barco a vela. E é sobre esse projeto que vou escrever.