segunda-feira, maio 28, 2012

Nossa vidinha em Rodrigues

Rodrigues é uma ilha extremamente pacata, com um povo muito simpático e uma comida deliciosa, então, ficar aqui é como parar a vida em um instante e curtir aquele instante mais tempo, e assim temos feito.

A cada dois ou três dias, convidamos o pessoal de dois barcos aqui ancorados para um jantar no Matajusi, e já fomos apelidados dos mais sociáveis do grupo. Mas, essa vida de viver a bordo fazendo travessias oceânicas, faz muito mais sentido se você divide suas experiências com outros, então essas reuniões sociais são uma oportunidade de se contar a nossa historia e ouvir a historia dos outros cruzeiristas.

Quando não estamos recebendo cruzeiristas a bordo do Matajusi, estamos sendo recebidos por algum dos barcos aqui ancorados. Nossa culinária tem sido bastante elogiada, aumentando a vontade desses barcos estrangeiros de irem visitar o Brasil no ano que vem, quando eles estiverem a caminho do Caribe. Entre os pratos que temos servido, um dos mais freqüentes tem sido algo com polvo, dada a enorme quantidade de polvos por aqui, mas todos eles comprados de pescadores, pois não tenho ido mergulhar por falta de companhia e pela água ser bem mais fria do que estávamos acostumados mais perto do Equador. Risoto de polvo, polvo a vinagrete, macarrão ao molho de polvo, pratos árabes como kibe, babaganushi, húmmus, tabuli, risoto de frango, brigadeiro, rocambole de chocolate, caipirinha de pinga de Rodrigues, estão entre os pratos que temos servido.

Quase todos os dias vamos para terra, caminhar, andar de bicicleta, ou fazer trilhas. Aproveitamos e compramos pão fresco e outros mantimentos, incluindo frutas e vegetais frescos. Têm um supermercado bom, e vários outros menores. O mercado de produtos frescos funciona a semana inteira, mas o melhor mesmo é no sábado, e tem-se que chegar cedo para encontrar produtos como o mamão e o alface.

Nas quartas-feiras, chega o navio de provisionamentos que vem de Mauritius, e todos os barcos atracados tem que sair da parede, e alguns dos ancorados tem que sair da área do porto para o navio poder fazer a manobra de atracagem. Depois da chegada do navio e distribuição dos produtos a bordo, é a melhor hora de se ir ao supermercado, pois se acha produtos novos e mais variados.

Para fazer as trilhas mais distantes, pegamos um ônibus e subimos as montanhas, indo para vilarejos no topo da ilha e de lá, caminhamos de volta para a área do porto, onde estamos ancorados. Em um desses passeios, visitamos uma área reservada para as tartarugas gigantes, que estão sendo re-introduzidas em Rodrigues, pois as nativas foram extintas. A maior é um macho de mais de cem quilos! A tartaruga de Mauritius era similar, mas não igual á de Rodrigues, portanto, eles podem re-introduzir tartarugas gigantes, mas nunca vão consegui recuperar a nativa da ilha.

Uma pratica na ilha é a secagem de peixes e polvos ao sol. Os peixes são limpos, abertos ao meio, salgados e postos para secar em armações de madeira a beira mar, já os polvos são esticados com uma vareta que deixam as pernas bem abertas e pendurados pela cabeça, também em armações de madeira a beira mar. O quilo de polvo fresco custa 120 rupees (1R$=15Rupees), mas quando o polvo é seco, custa mais por quilo, fazendo com que o preço final fique igual entre o polvo fresco e o mesmo polvo seco. Ainda não experimentamos o polvo seco na nossa culinária, mas já fazemos pratos saborosos com os peixinhos secos (Ican Billis) que compramos na Malásia e Tailândia.

Entre os barcos, existe a pratica de se secar peixes e frutas. Os peixes ficam parecidos ao bacalhau, e a banana seca fica igual àquela que compramos no Brasil. Muito fácil de fazer, evita o desperdício quando as quantidades são grandes e sobrevivem bastante tempo a bordo.

Enfim, parados no tempo e espaço, esperando a janela de tempo certa para seguirmos para Mauritius, uma travessia de trezentos e cinqüenta minhas, com vento e mar de popa, que estimamos fazer em três dias e meio.

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domingo, maio 20, 2012

Chegada a Rodrigues

Nossas preocupações foram diminuindo, com a degeneração do ciclone 19S, e a não formação do ciclone em cima de Chagos, portanto, sem ciclones. A preocupação com piratas também diminuiu, proporcionalmente com o aumento do mar, pois pirata nenhum ficaria em mar de quatro metros com ondas estourando, esperando pela possibilidade de um veleiro passar. Não temos divulgado nossa posição exatamente por isso. Em contrapartida, o mar grosso ficou para nós digerirmos...

À duas noites da aterragem em Rodrigues, o mar engrossou muito, com muitas ondas estourando. Como estávamos de través (90º) do vento, que estava entre vinte e cinco e trinta e cinco nós, pegávamos as ondas de lado, com grande impacto contra o casco. O risco seria uma onda maior nos jogar de lado, e o perigo seria uma gaiuta estourar com o impacto. Decidi apontar a proa do barco a quarenta graus das ondas, reduzindo velas, com mestra no segundo riso e Staysail um terço risada, e com pouca velocidade adiante, entre dois e três nós, evitando que o barco subisse as ondas e caísse do outro lado batendo o casco chato com muita força, pois isso compromete o estaiamento, fechendo o barco inteiro para evitar uma onda maior enchendo a cabine de água, e nos trancando dentro da cabine, navegando via os eletrônicos e o remoto do piloto automático. Como a velocidade não era suficiente para gerar eletricidade pelo Duo-Gen, mantive o motor ligado e engatado, a mil e duzentas RPM.

Depois dos quatro dias de preocupação com ciclones e piratas, a navegação nos lembrava da situação que passamos em Papua New Guinea, bastante desconfortável...

Ficamos nessa posição das dezoito horas até as quatro horas do dia seguinte, quando pus o barco para navegar novamente na direção de Rodrigues, mas havíamos saído da rota mais de vinte milhas, tendo agora vinte a mais para Rodrigues, alem do que, eu não queria passar a noite do lado de fora da ancoragem de Rodrigues, então controlei nossa velocidade pelo motor, para aterrarmos antes do escurecer.

Levantei a mestra do segundo para o primeiro riso, abri a genoa e lá fomos nós navegando entre sete e nove nós. Essa velocidade nos poria na entrada da baia de Rodrigues as dezesseis e trinta, mas, com uma hora a menos no fuso horário local, seriam quinze e trinta em Rodrigues, portanto, com luz suficiente para adentrarmos a baia, que é cercada de recifes, e tem uma linha identificada por dois triângulos na costa que indicam a entrada, mas, cuja carta não confere com a geografia do lugar.

Como previsto, chegamos à entrada da baia as quinze e trinta, hora local. Desci as velas fora, com uma ondulação de até quatro metros, e fui procurar os tais triângulos que indicariam a linha de entrada pelos recifes, mas, por mais que procurássemos, não conseguimos identificá-los, então pedi ao Richard do Mr. Curly uma ajuda pelo VHF, se ele podia me passar os waypoints do log por onde ele passou. Ele não tinha o log disponível, então me passou um waypoint de entrada e um rumo, cento e sessenta e dois verdadeiro, ou cento e oitenta e cinco magnético. Por mais que tentasse, não fazia sentido partir do waypoint no rumo cento e sessenta e dois, pois estava claramente fora da área de ancoragem onde conseguia ver os outros barcos ancorados. Ir pelo magnético é praticamente impossivel com a bussola de brinquedo que foi instalada no Matajusi pelo estaleiro, e que eu já deveria ter trocado há muito tempo. Em cima disso tudo, minha linha de heading apontava para onde o barco não estava indo, e a de COG quase oposta.

Depois de uma travessia estressante como a que tivemos, aterrar nessas condições é cansativo, pois temos dificuldade de pensar claramente na situação e solução, mas logo me ocorreu que a Lilian tinha mexido no armário da cabine de proa, onde está instalada a bussola do sistema eletrônico do barco, então pedi que ela fosse conferir se alguma coisa não estava interferindo com a bussola, e dito e feito, logo pude ver um heading e COG que faziam sentido com a geografia local.

Fui entrando devagar, de olho na profundidade, e depois de alguns sustos, com o fundo de corais subindo rápido, conseguimos adentrar a baia, de lá, achando facilmente o canal para o porto, só ali, finalmente reconhecendo os tais triângulos de marcação da linha de entrada da baia. Penso que entrar a noite teria sido mais fácil.

Atracamos na parede do porto, mais própria para navios do que para veleiros e ficamos esperando pelas autoridades, que logo chegaram e fizeram nossa entrada legal em Rodrigues. Agora é curtir o local...

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terça-feira, maio 15, 2012

14/05/2012 Os ciclones que eram, não eram, eram de novo, e já eram...

Ontem tomei banho quente pela primeira vez em seis meses! Saímos das latitudes quentes e viemos para as mais a Sul, portanto mais frias, com mares mais nervosos.

Por conta disso, escolhemos sair quando a rota inteira parecia estar mais mansa, mas, previsão de tempo nos dias de hoje é mais intuição do que ciência.

Depois de uns dias que estávamos atravessando, recebi email da Nasa (me registrei para isso) informando da formação do ciclone 19S no oceano Indico Sul. No mesmo lote de emails, recebi email do meu primo Edson, também velejador, dizendo de um sistema se formando perto de Madagascar, e vindo na direção de Mauricius e Rodrigues. Pronto, assumi que o sistema que o Edson falava era o mesmo que a Nasa falava, e se instalou paranóia total nos seis barcos que estavam atravessando para Rodrigues. Mudamos a net SSB para a cada três horas, o barco a minha frente parou, me esperando para termos alcance de VHF, os da frente correram na direção de Rodrigues.

Todos os barcos saíram à procura de mais informação, inclusive eu, e logo percebi que o sistema 19S estava no Norte da Australia, e não era o mesmo sistema que o Edson sugeria estaria em Madagascar.

Bom, animador por um lado, mas mais preocupante por outro... pois estar no mesmo oceano e mesma latitude de um ciclone formado é perigo grosso!

Passamos a monitorar o ciclone 19S, o sistema de Madagascar não deu continuidade, e soubemos que o 19S estava já se dissolvendo... mas, com uma nota no final, que esse ciclone era atípico, e que poderia se regenerar e crescer...

Esperamos para as previsões do dia seguinte, com os barcos atrás de mim esperando para ver no que ia dar, e eu e os da frente, acelerando para Rodrigues, outra preocupação, pois Rodrigues não é considerado área segura para ciclone...

No dia seguinte vem as previsões, confirmando que o 19S tinha se regenerado e estava correndo solto para Oeste... bem onde nós estaríamos! Abre todas as velas, bota nitro no diesel e acelera! O problema é acelerar com mar grosso! O barco simplesmente não anda para frente, anda para cima e para baixo! Todos os barcos à frente pegaram mar navegável, e eu fico de peão boiadeiro no mar grosso!

Que tal a situação para curar a ansiedade?

Bom, mas a coisa fica pior... na nóia do ciclone, me aparece um barco (skiff) de pesca, parado, tentando ligar o motor (via-se a fumaça) mas sem sair do lugar. O barco? Igualzinho os descritos no site da Nato sobre os piratas da Somalia! Potencialmente, no mesmo mar com o ciclone e os piratas, ao mesmo tempo!

A ansiedade fica mais alta, a cabeça começa a criar fantasmas, e quando tudo isso esta rolando, la vem mais um ciclone na previsão!
Nossa?! O que esta acontecendo? Os deuses se viraram contra a gente? Será que estávamos sendo castigados pelas contravenções às normas militares de Chagos? E onde estava esse novo ciclone se formando? Em cima de Chagos!

Os barcos mais atrás agora ficam sem opção para onde ir, atrás o sistema de Chagos, na frente o sistema 19S. Os barcos da frente consideram usar até os motorzinhos de popa para tentar acelerar para Rodrigues! Nisso, alguém pergunta, cabem tantos barcos assim na ancoragem de Rodrigues? Ninguém sabe responder... temos que chegar lá para ver...

Acelera peão!

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sexta-feira, maio 11, 2012

07/05/2012 Saimos de Chagos com destino a Rodrigues

No ultimo dia sete, saímos de Chagos juntos com o Mr Curly, e começamos nossa travessia do oceano Indico até Rodrigues, uma viagem de mais de mil milhas, que deve durar uns oito a nove dias. Escolhemos o dia sete pois as condições previstas promoviam uma travessia com menos ventos, então mais demorada e com algum uso do motor, mais em compensação, com mar menos agitado, uma característica comum no Indico Sul.
Nossa estada em Chagos foi ótima, com grandes mergulhos e explorações de todas as ilhas onde constatamos uma abundancia enorme de côcos e caranguejos do côco. Os pássaros não estão acostumados com humanos, e nos deixam aproximar. Fizemos muitos pick-nicks e encontros em terra com o pessoal dos outros barcos e curtimos muito os mergulhos e as pescarias, nunca deixando faltar peixe nas refeições. As garoupas e os xareis existem em abundancia, assim como os tubarões, que estão por toda a parte.
A navegação dentro do atol só pode ser feita com sol a pino, pois os cabeços de coral não estão nas cartas. Sempre se vai com alguém na proa olhando o caminho e sempre com óculos polarizado.
O fundo é de uma mistura de areia com coral e não segura bem. Uma sugestão é se ancorar entre dois cabeços com mais de quatro metros de profundidade mínima, assim se a ancora garrar, se prende no cabeço.
Tem vários barcos afundados dentro do atol, em geral, com um squall de Sudoeste que entra varrendo tudo e empurra os barcos contra a ilha de Takanaka ou Fuquet. Na ilha de Boddan, tem-se que escolher bem o local da ancora para, uma, ficar protegido dos ventos do quadrante sul, e duas, não ter nenhum cabeço na rodada do barco, que chega a dar a volta completa na ancora no período de um mês que ficamos por lá. Nunca levantamos a ancora, mas na saída tivemos que limpar metro por metro, pois estava toda enferrujada, com cracas e mariscos. Os barcos que já conhecem bem Chagos, montam pôitas em corais já conhecidos para esse fim, e não tem manutenção de corrente para fazer na saída. Mas, a pôita do Scorpio, Swan Finlandês, soltou e ele teve que navegar a noite, sem visibilidade e com vento forte, e jogou ancora do meu lado.
Enquanto estávamos em Chagos, eu ajudei a consertar o alternador do Scorpio e o leme do Elaine, demonstrando que esses anos navegando me proporcionaram um conhecimento muito bom dos problemas comuns aos barcos.
Enfim, mais um lugar visitado, mas eu não diria que o lugar mais bonito que já fomos, por conta das proibições e nóias dos britânicos que tratam o lugar com normas militares. Isso acaba tirando o encanto natural e único do lugar, e a liberdade e inspiração de se escrever mais sobre o mesmo. Um dos barcos que estava lá com a gente, postou algo no blog deles, e os militares vieram expulsá-lo de Chagos por isso... Para visitar Chagos todos os barcos tem que preencher formulários que dizem claramente que os brits podem mover ação contra qualquer contravenção ás normas, em qualquer território.
Por outro lado, temos provavelmente os dois únicos passaportes brasileiros com carimbo de Chagos, pedido que fizemos aos brits na sua ultima visita antes de partirmos, e que foi atendido... Nos próximos dias posto o relato sobre essa travessia, incluindo os furacões que eram, não eram, eram de novo e talvez já eram...

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