Primeiras experiencias em Madagascar
A travessia para Madagascar durou quatro dias. O primeiro com algum desconforto de mar, o segundo e terceiro perfeitos, não fosse a cabeçada da baleia, e o quarto, com ventos fortes, mar alto e ondas quebrando, enfim, uma boa mistura. Hoje mergulhei e chequei o barco por baixo, e encontrei uma marca de batida uns três metros da proa, do lado direito do barco, na altura da linha dágua, o que para mim confirma ter sido uma baleia, tecido mais mole do que um container ou um tronco ou árvore. Acredito que o barco passou do lado dela, tocando a barbatana lateral esquerda, ao primeiro barulho, ela reagiu jogando a cabeça para aquele lado, batendo no barco. Concluo que tivemos mais do que sorte, pois quando se bate em uma baleia, ela bate o rabo com força para sair fora, e se esse rabo bate no barco, pode enfiar o sail-drive para dentro, causando quase que certamente o afundamento do barco. Considero essa a parte mais frágil de um veleiro com rabeta. Mesmo os com pé de galinha, se empurrados com força, quebram também o casco, podendo causar o afundamento.
Na noite de terceiro dia, falando com o Scorpio e o Elaine pelo SSB, entendemos que eles iriam parar na Galions Bay, no Sudeste de Madagascar e mesmo já estando em outra rota, uma que nos levaria por fora do Banco de Etoile até passarmos por todo ele, e ai rumando para Noroeste, procurando abrigo na Baia de Minorodo, resolvemos nos juntar a eles em Galions Bay, uma rota que nos punha com ventos acima dos vinte e cinco nós no través, e ondas até três metros de altura, e quebrando, mas duas horas depois, estavamos ancorados, molhados mas seguros dentro da Galions Bay. O Erica já tinha estado aqui antes e tinha postado as coordenadas de entrada e ancoragem, embora tenha perdido a ancora com sessenta metros de corrente pois não conseguiu recolhê-la, por isso me passou as coordenadas da garrafa pet que deixou amarrada na ponta da corrente, para ver se eu conseguia trazer no mergulho. Eu bem que tentaria, mas, água muito suja, apenas um metro de visibilidade, e eu não conheço os tubarões ou outros perigos por aqui, então, não tentei.
Entrei na baia ainda com luz do dia, segui até a área de seis metros de profundidade e virei a direita, para ir para tras de uma ponta, e assim ficar fora da ondulação, ancorando em seis metros, com trinta metros de corrente, o suficiente para ventos até trinta nós, e fomos arrumar o barco, ou tentar. Explico: assim que entramos na baia as canoas com os nativos já começaram a sair de terra vindo na nossa direção. Nem bem ancoramos e já estávamos rodeados de canoas, todos pedindo algo, em uma língua onde não conseguimos entender absolutamente nada. Através de gestos, entendemos que eles queriam camisas e linhas de pesca. Eu respondi que queria fazer trocas, pois queriamos peixes, côcos e banana. Logo estavam chegando canoas com peixes, côcos, bananas, mangas e tomates, e ficamos fazendo trocas até quase o anoitecer. Espero que, no entusiamo, tenham sobrado algumas camisas para mim!
Quando anoiteceu, ficamos curtindo o visual a nossa volta, com uma vila em frente onde ancoramos, duas enseadas com praias, um delas com ondas quebrando fazendo o barulho usual, montanhas por toda a volta, fora a entrada da baia, mas a aparência de um lugar arido, parecido com o nordeste brasileiro, fora as montanhas.
A Lilian preparou o peixe frito com cuscuz, jantamos e fui fazer as NETs do SSB e acessar o email do barco. Depois de toda essa atividade, ficamos com sono e fomos dormir, apenas para acordar meia hora depois com o vento passando dos trinta nós. Por segurança, desci mais quinze metros de corrente, e dormimos até as seis e meia da manhã, quando novas canoas chegaram para fazer mais trocas! Mais côcos e tomates, pois nos peixes não deu troca... percebi que as trocas estavam ficando mais caras... ai começamos a recusar as ofertas.
O Andrei, com quem já tinhamos feito trocas ontem, veio e foi falando uma palavra ou outra em ingles, e entendi que ele tinha feito varias atividades com o Erick, do Erica, então sugeri irmos no meu bote até a desembocadura de um rio que tinha visto pelo Google Earth para subir o rio de bote, único problema que a praia ficava acima da água do rio, e as ondas estavam altas, quebrando na praia, mas nada que nos empedia de tentar. Escolhi o melhor lugar para aterrar, onde as ondas eram menores e quebravam com menos força, mas isso era um tanto longe da saida do rio, e lá fomos nós, no meio de duas ondas, rumo a praia. La chegando, virei o bote contra as ondas e pulamos para fora, segurando com as mãos. Conseguimos manter o bote batendo de frente nas ondas enquanto fomos levando ele mais proximo da praia. Nisso apareceram mais dois nativos para ajudar, tirei o motor, que o Andrei levou nas costas, e em quatro, levantamos o bote e o levamos para a praia. De lá, para a entrada do rio foram uns duzentos metros de carregar o bote e o motor, mas logo estavamos com o bote no rio. Os dois que vieram nos ajudar pularam também para dentro do bote, e agora, em cinco, subimos o rio cuja água era salobra.
O Andrei me apontou para uma área onde eu podia mergulhar e lá fui eu para dentro dágua, antes mesmo de pensar se em Madagascar haviam salties, os famosos crocodilos de água salgada. Depois de tentar acertar algum peixe, com uma visibilidade menor do que trinta centímetros, voltei para o bote, mas não consegui me fazer entender com o Andrei, sobre a existência ou não de salties...
Nisso vimos um grupo de nativos puxando uma rede mais para o meio dessa area alagada do rio, e para lá fomos nós, curioso em conhecer os tipos de criaturas que eles tirariam daquela água. Peixes pequenos, enguias, siris, e camarões. Perguntei para o Andrei se eu podia comprar um pouco de camarões, e ele logo negociou mais ou menos um quilo, ou oito latinhas de massa de tomate, a medida que eles usavam para medir quantidade de camarões, cujo preço ficou em hum mil Ariary, equivalentes a dois mil Ariarys igual a um dollar, ou seja, um Real por quilo, outra moda que podia pegar no Brasil.
Mais uma aventura levando o bote de volta para o mar, mas conseguimos voltar para o Matajusi ainda secos. No caminho perguntei para o Andrei onde podia mergulhar, e ele me indicou uma área que separava as duas enseadas a Leste dentro da pequena Galions Bay. Parei no Matajusi para deixar o camarao e a Lilian já ir tratando do almoço, e fui mergulhar na área indicada pelo Andrei. Quando chegamos na praia, já tinham varios nativos com coisas para trocar, e acabei trocando tres polvos e uma lagosta por mais tres camisas. E eu achando que as camisas ja tinham acabado! No mergulho, vi budiões, mas estava com o estilingue havaiano de pequeno alcance, então fui a procura de vieras da pedra, e me diverti pegando algumas grandes e comendo, oferecendo para o Andrei que comeu uma.
Quando retornei do mergulho fui descansar e ficamos no barco trabalhando, lendo e escrevendo emails. Depois de uma noite bem dormida, no dia seguinte, depois dos afazeres no barco, fomos visitar a vila, chamada Italy. Nunca havia visto gente tão pobre, nem mesmo no Nordeste brasileiro! Alguns tinham apenas um trapo cobrindo seus genitais. Eles falam malagashi, mas alguns trocavam palavras em francês, uma ótima oportunidade para treinar o nosso. Visitamos a vila inteira, conhecendo a escola, uma construçao em alvenaria, mas só com metade do telhado, as duas igrejas, catolica e protestante, e as pequenas casinhas de não mais que 3m x 2m onde moravam uma familia inteira. As casas eram feitas de paus, com telhados e parede que pareciam de pau de caraguata amassado. A vila tem trezentos e cincoenta habitantes, com muitas crianças, e por todo lugar que íamos, éramos seguidos por quase uma centena de crianças de todas as idades. Eu e a Lilian estávamos de óculos escuros, então as crianças não conseguiam ver para onde estavamos olhando, elas andavam na nossa frente, olhando para trás, e dando trombadas em coisas pelo caminho, observando cada detalhe da nossa roupa, pele e fisionomia.
Além dos óculos, eu estava com um chapel de abas largas, camuflado em verde, e eventualmente, quando o sol deixou de bater forte, tirei o chapel. Foi uma gritaria total! As crianças me rodearam e gritavam sorrindo. Entendi que eles nunca tinham visto um branco calvo, pois todos os homens por aqui tinham cabelo. Aproveitei para tirar também os oculos, e lá veio de novo grande estardalhaço feito pelas crianças, que finalmente conseguiram ver meus olhos. Incrivel como coisas tão simples e corriqueiras podem ser de tanto interesse.
Depois de dois dias e meio em Galions Bay, partimos com destino a Minorodo Bay, a cento e trinta milhas de distancia e para onde ja haviam ido sete outros barcos, aguardando uma janela propicia para atravessar as oitocentas milhas até Richard's Bay.
MATAJUSI Navegation Information:
At 10/26/2012 04:41 (utc), Position was 23°22.53'S 043°39.74'E, Direction was 124T, Speed was 0.2
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