quarta-feira, dezembro 13, 2006

Estudos e pesquisas de um potencial navegador!

Nos relatos anteriores, falei sobre quem sou eu e os porquês do projeto Matajusi, como escolhi o barco, as modificações que sugeri sobre o projeto original, como e porquê escolhi a rota e os detalhamentos dessa rota. Dessa vez, quero comentar um pouco sobre os livros que estudei e as pesquisas que fiz, incluindo conversas com os mais experientes.

Como vocês devem imaginar, esse assunto é bastante extenso, e só posso falar sobre as pesquisas que já fiz, mas elas vão continuar até o Projeto Matajusi acabar. Isso porque as informações sobre os detalhes de cada perna, cada porto, cada ilha, cada oceano a ser navegado, cada ajuste das velas e equipamentos do barco ainda estarão sendo pesquisadas até o dia em que eu estiver me aproximando do porto, para completar a volta no planeta em que vivemos. E tem mais. Eu imagino que essas pesquisas darão início a novos projetos, que começarão antes mesmo do Matajusi acabar. Pois eu acredito, sem dúvida, que terei contraído o vírus da liberdade da vida no mar, da febre do conhecimento, da vontade de contar nossas histórias em outros lugares e de ouvir as histórias desses outros lugares.

Aqui segue uma lista das principais referências que eu usei e tenho usado no meu projeto, do amigo de infância Marcio Dottori ao guru dos cruzeiristas. Jimmy Cornell.

Marcio Dottori:
Livros lidos: Aventura no Atlântico Sul (esgotado)
Relata a travessia de ida e volta do Guarujá à Cape Town na África do Sul, em solitário, feito no Carapitanga.

Lógico que minhas primeiras conversas foram com o Marcio Dottori, meu amigo de infância de muitas jornadas, motocadas e aventuras, muitas delas a bordo de algum barco em algum lugar do litoral. No início de 1994, para comemorar o sucesso da abertura da Harte-Hanks da América Latina durante o ano de 1993, convidei minha mulher, filhos e alguns amigos e aluguei um iate de 45 pés com dois motores em San Juan, Porto Rico. Saímos de Fajardo, extremo Leste da ilha, e motoramos para Leste, até as ilhas de Culebra e Culebrita, ficando por lá uma semana, retornando para Porto Rico, sem incidentes. Marcio, com seu extensivo conhecimento nos esportes náuticos, foi uma presença importante nessa minha primeira aventura em travessias mais longas e assim, saímos e voltamos sem qualquer incidente.

André Homem de Mello:
Livros lidos: Diário de Bordo
Neste magnífico livro com fotos, André narra um dos maiores feitos da vela oceânica brasileira: a volta ao mundo em solitário, sem escalas, pelo Oceano Austral. A viagem empreendida por André Homem de Mello durou seis meses e foi feita através da região mais perigosa para navegação do planeta. Em sua rota, André percorreu 19.390 milhas náuticas pelo hemisfério sul do planeta. André também conta duas outras importantes viagens que havia feito antes. Uma delas de São Francisco na Califórnia ao litoral paulista, e a outra comemorativa dos 500 anos do Brasil, que refez a rota de Cabral do ano de 1500. Diário de Bordo empolga da primeira à última página e leva ao leitor muito mais do que emoção. Um livro para ser lido e vivido.Meu segundo consultor foi o André Homem de Mello, durante minhas buscas pelo barco que iria usar para o projeto Matajusi. Conversamos muitas vezes, trocando idéias sobre opções a seguir. André foi acompanhando cada mudança discutida no Matajusi, com conselhos próprios. Ele também foi quem me deu direções para pesquisar a travessia do Canal do Panamá. Com suas indicações, me comuniquei com o pessoal do Canal e hoje tenho toda a documentação e informação necessária para fazer a travessia.

João Sombra:
Livros lidos: Conversando com o Guardian
Conheci o Sombra na praia dos Vagabondos em Parati, quando eu e o Marcio fomos dar uma mergulhada para caçar e trouxemos muitos peixes para um churrasco de cruzeiristas que estava acontecendo naquela praia. Fiquei maravilhado com as histórias do Sombra! No final do churrasco, já tarde da noite, fomos dar uma carona para ele até o Guardian e tive a oportunidade de conhecer o Guardian e todos os amuletos mencionados pelo Sombra nos seus livros e conversas do mar. Encontrei com o Sombra mais algumas vezes, uma no Rio Boat Show, onde comprei seu livro “Conversando com o Guardian”, devidamente autografado e de novo no encontro organizado pela associação dos cruzeiristas, a ABVC, em Bracuhy. Depois disso, o Sombra me convidou para entrar no seleto grupo Guardian Group do Yahoo, do qual hoje faço parte.

Marçal e Eneida Ceccon:
Livros lidos:
Rapunzel – Uma família ao redor do mundo, Rapunzel nos mares do sul, Cozinhar a bordo,
Guia Náutico da Costa Brasileira.

Em dezembro de 1991 o veleiro Rapunzel largava as amarras e partia de Ubatuba - SP para uma viagem ao redor do mundo que durou 4 anos e meio.

Outros grandes cruzeiristas que conheci no Rio Boat Show foram o Marçal e a Eneida Ceccon. Na época, comprei vários livros autografados, mas não quis comprar o guia náutico da costa brasileira. Erroneamente, eu pensava que não iria precisar, já que navegaria direto do Guarujá até Trinidad! Pena, pois tive que comprá-lo depois e minha cópia não esta autografada. Pelo menos por enquanto não, mas com certeza vou pedir seu autógrafo na próxima vez que nos cruzarmos no mar. Visitei o Rapunzel e Marçal me mostrou o barco por dentro, seus equipamentos e instalações e conversamos um pouco sobre suas histórias. Foi ótimo ter visitado o Rapunzel, para poder relacionar algumas descrições nos livros do Marçal sobre as instalações do barco. Dentre os livros que já li alguns que mais gostei foram os livros do Marçal, que tem sempre alguma sátira engraçada sobre suas passagens.

Aleixo Belov:
Livros lidos: A Terceira Volta ao Mundo do Veleiro Três Marias.
No encontro da ABVC em Bracuhy, conheci também o Aleixo Belov e comprei seu último livro, no qual ele relata a sua terceira volta ao mundo. Como ainda não tinha lido os livros do Jimmy Cornell, desconhecia o problema que o Aleixo relatou, quando teve que desviar sua travessia do Tahiti (rota normal para quem vai cruzar o mundo pelos ventos alísios) para o Havaí, quando soube que estava chegando a época dos ciclones na Polinésia Francesa. Segundo ele, os livros que ele tinha lido sobre o assunto da estação de ciclones eram muito antigos e mencionavam estações de ciclones diferente das que ocorrem atualmente, errando portanto em algo que poderia ter trazido sérias conseqüências para sua última viagem. O Aleixo não tinha carta eletrônica e também não tinha as cartas detalhadas da rota até o Havaí, ficando bastante preocupado com os muitos obstáculos que existem por ali. Por sorte, e muita habilidade de um cruzeirista muito experiente, ele chegou são e salvo ao Havaí. Gostei muito da leitura do livro da terceira volta ao mundo de Aleixo Belov, pois ele relata muito suas necessidades de ajustes nas velas devido às esperadas mudanças de tempo, vento, mar e correntes.

Gunther Weber:A partir da minha decisão de construir um RO 400, Gunther Weber passou a ser meu grande consultor náutico, tendo participado de todas as decisões sobre as modificações do Matajusi. Fico impressionado com a memória do Gunther quanto às nossas conversas e decisões, e sempre que checo se um item discutido e concordado está sendo construído ou montado, a confirmação é sempre positiva. Sem ainda conhecer muito as diferentes opções na armação do equipamento vélico do Matajusi, Gunther me recomendou usar uma montagem diferente no RO 400, com duas catracas de cada bordo e o traveller atrás do cockpit, na frente das rodas de leme, quando normalmente os RO 400 construídos no Brasil têm o traveller montado na frente do dog-house. Gunther me explicou que essa montagem facilita a navegação em solitário, porque o comandante não tem que sair da área das rodas de leme para soltar a escota da vela mestra na frente do dog-house, principalmente em caso de rajadas fortes.

Jimmy Cornell:
Livros lidos: World Cruising Routes 5th Edition, World Cruising Handbook 3rd Edition, World Cruising Essentials.
Sites pesquisados: www.noonsite.com
O próximo grande influenciador nas decisões da minha rota foi o Jimmy Cornell. Tentei um contacto fortuito no e-mail do site dele e ele próprio respondeu. Comprei os 3 livros escritos pelo Jimmy para cruzeiristas e praticamente já li todos. Como esses livros são muito intensos em detalhes de cada área, pulei as áreas onde minha rota não vai passar. Acredito que seus livros sejam os mais importantes para quem vai se preparar para um cruzeiro, pois discutem todas as variáveis sobre cada aterragem, além de informar as melhores estações para se estar ali, e as piores. Outras informações muito importantes dos livros e do site são as documentações e processos legais para se entrar e sair de qualquer lugar no mundo, quando se chega por mar. Também tem informações sobre piratarias recentes, tripulantes procurando por barco e avaliação de muitos tipos de equipamentos usados nas travessias. Outra informação valiosa que pode ser encontrada nos livros e site do Jimmy são referências a livros e guias de navegação, e através dessas referências, comprei meu próximo livro.

Earl R. Hinz:
Livros lidos: Landfalls of Paradise – Cruising guide to the Pacífic Islands, 4ª edição
Nesse livro, Earl descreve a navegação no maior oceano do mundo e aquele com os povos mais amigáveis do planeta, segundo suas experiências. Considerada a bíblia de cruzeiro das ilhas do Pacífico, o livro cita algumas mudanças radicais que têm acontecido nas ilhas do Pacífico mais recentemente, como o “amolecimento” das regras de visita a Galápagos e nas ilhas do arquipélago de Tuamotu, a explosão do vulcão Rabaul, na ilha de New Britain na Nova Guiné, considerado um dos lugares mais bonitos do Pacífico, a mudança nos horários de Kiribati, decisão similar ao do nosso Presidente, que decidiu mudar o dia da troca de horário de verão do Brasil, mas “esqueceu” de modificar todos os sistemas do mundo, que automaticamente mudaram nosso horário para o previsto, e muitos vôos e reuniões foram perdidos. O guia do Earl Hinz é muito parecido com o do Jimmy, mas traz detalhes adicionais de cada lugar no Pacífico, pois é dedicado somente à essa região.

Ricardo Negrini: Ricardo, além de um experiente navegador e dono do segundo RO 400 construído no Brasil é também engenheiro elétrico e profundo conhecedor das opções para instalações dos equipamentos elétricos de um barco. Ele tem me ajudado na escolha e na montagem dos equipamentos eletrônicos do Matajusi. Um conselho muito interessante foi o de ter 3 bancos de baterias, um para arranque do motor, uma para os induzidos (bombas de porão, bombas de pressão) e uma para os eletrônicos, dessa forma evitando-se a interferência que induzidos podem ter sobre os equipamentos eletrônicos onde aparecem aquelas riscas nas telas. Ricardo esta também me ajudando com a montagem de um sistema de cargas de baterias com múltiplas formas de geração de energia, como alternadores, carregadores AC quando atracado em marinas, geradores a gasolina, de reserva, AC/DC, geradores eólicos e de arrasto na água e placas solares. Ricardo também me sugeriu alguns vídeos sobre navegação durante tempestades, como o Storm Tactics de Lin e Larry Pardey.

Lin e Larry Pardey:
Vídeo assistido: Storm Tactics
Vídeo bastante interessante e ilustrativo, onde Lin e Larry discutem e demonstram a preparação da embarcação antes de mau tempo, incluindo ajustes de velas e a opção de entrar em capa, que quer dizer, posicionar o barco de forma tal que ele se arraste meio de lado no temporal, criando uma esteira que inibe o estouro de ondas em cima do barco. Eles explicam e demonstram muito bem essa opção de se encarar tempestades em mar aberto, e descrevem os equipamentos usados e preparação desses equipamentos, como as âncoras de arrasto para diminuir a velocidade do barco evitando surfar e perder o controle, com possível capotagem, ou equilibrar o arrasto quando capeando.

Interessante são também as estatísticas anunciadas por eles sobre a porcentagem de tempo total de navegação em travessias oceânicas, onde os ventos são considerados acima do normal de cruzeiro, sendo na ordem de 6% para ventos fortes e 1% para ventos muito fortes, no nível de furacão. Lógico que em ocasiões como essas um comandante prudente deve procurar porto seguro, a não ser que esteja atravessando algum oceano onde o porto seguro está além dos limites de alcance, e nesse caso, deve-se procurar a área menos afetada pela tempestade, além de se preparar o barco para o encontro com a tempestade. Lembro de como ficou marcado na viagem do Marçal a tempestade que eles pegaram logo na saída de sua viagem, no caminho para Salvador, quando, depois de alguns dias brigando contra a tempestade, eles resolveram simplesmente deixar o barco em capa e ir dormir.

Centauro Navegador - Edwin Rudyard WolffDick:
Por ocasião do São Paulo Boat show de 2006, conheci o Edwin, conhecido como Centauro Navegador. Foi interessante ouvir de Centauro sobre suas capotadas! Foi também interessante ouvir sua opinião sobre navegar as tempestades ao invés de capear, pois, segundo ele, os veleiros novos tem fundo chato e, portanto não causam uma grande esteira quando arrastados de lado. Com isso, não teriam tanta influência sobre quebrar o mar antes do mar quebrar o barco. Capear ou não, eis a questão, e vou ter que testar o Matajusi nessas condições para decidir qual seria a melhor opção no meu caso.

Roberto de Barros Mesquita:
Livros lidos: Do Rio à Polinésia
“Cabinho" conta a sua iniciação no mundo da vela e sua viagem no final dos anos 60 entre o Rio de Janeiro e Tahiti num pequeno veleiro reformado. Gostei muito do livro do Cabinho, onde ele descreve como saiu do Rio a bordo do seu barco See Bird, modelo Light Crest, construído em compensado forrado com fibra, sem motor, e reformado por Cabinho para a inclusão de um mastro de Mezena, opção que depois de navegar meio mundo, retirou.

No Matajusi, ao invés de montar mais um mastro, estou adicionando um estai volante para montar uma vela de tempestade que seja menor do que a mestre rizada (abaixada) e mais ao centro do barco do que a genoa.

Outros livros lidos:
Albatroz: Livro escrito por Deborah Scaling Kiley, sobrevivente do naufrágio do Trashman, com 17 metros, que conta a história do naufrágio de um veleiro na costa leste dos Estados Unidos, onde, de cinco tripulantes, somente dois sobreviveram e mesmo assim, depois de muitos dias no mar, boiando em um caíque, sem comida ou água. Dos três tripulantes mortos, dois foram comidos por tubarões, ainda vivos, e a terceira, depois de morta. A idéia de se ler esse tipo de história não é para assustar, mas sim observar o que foi feito de errado, para, em situação similar, decidirmos por fazer o que for mais correto, promovendo a sobrevivência da embarcação se possível e dos tripulantes a qualquer custo.

Livros comprados esperando tempo livre para leitura:
Nos Mares do Sul: Considerado o melhor livro de travessias marítimas do século XIX, o livro de Robert Louis Stevenson, relata suas várias travessias pelas ilhas do Pacífico depois que, atacado de tuberculose terminal, decidiu ir viver seus últimos dias nesses paraísos.

The Panamá Guide: Escrito por Nancy Schwalbe e Tom Zydler, este guia tem a descrição de todas as baías e ancoragens dos dois lados do Panamá, Leste e Oeste, incluindo a travessia do canal do Panamá e a descrição das Ilhas de San Blas, com seus povos indígenas que se negam até hoje a misturar seus costumes com os do homem branco.

South Pacific Anchorages: Guia escrito por Warwick Clay descrevendo todas as ancoragens das ilhas do Pacífico, compreendendo a Melanésia, Micronésia, Polinésia, Nova Zelândia, Galápagos e Ilha de Páscoa.

Tenho certeza de que ainda vou ler muitos livros e guias, ver muitos vídeos, conversar com muitos comandantes e nativos experientes antes de chegar ao mesmo lugar, mas, vindo do lado oposto. Na medida do possível, vou relatando esses aprendizados e experiências nas minhas colunas, até o assunto ser tão intenso que seria mais bem divulgado se posto em formato do meu próprio livro, aí quem sabe, algum navegador iniciante poderia se basear também nas minhas experiências para acumular nas suas.

Fica muito claro que existem opiniões diversas entre os navegadores mais experientes e que cada comandante tem que tomar suas próprias decisões, baseado nas informações que tem em mãos e que essas decisões vão certamente variar entre um comandante e outro. A mudança mais clara em minha opinião está na disponibilidade de novos equipamentos usados nas travessias, mesmo sendo da opinião de alguns comandantes que esses equipamentos não são a prova de quebras e erros.

Até meu próximo relato onde estarei discutindo mudanças das idéias originais, pois projetos como esses não são como esculturas em pedra, mas sim, uma constante revisão dos planejamentos, até que se tornem trilhas percorridas.