sexta-feira, outubro 02, 2009

Beveridge Reef:

Posição: S20 00.820 W167 44.950 01/09/09 10:56h Local (UTC -10)
Agora que estamos livres de qualquer problema com relação ao Tsunami que ocorreu nas Ilhas Samoa, posso me concentrar em relatar nossa chegada e estadia no Beveridge Reef.

Aterramos em Beveridge Reef vindos de Aitutaki, por volta das dez horas da manhã, e já próximos ao recife lancei duas linhas na água para tentar um peixe de passagem antes de entrarmos no atol. Não demorou muito e uma das varas fisgou. Enrolamos a genoa, ficando somente com a mestra que já tinhamos risada no terceiro, e fui recolher o peixe. Vi que era pesado, mas estava bem fisgado, isso quando notei que estava recolhendo a vara errada! Na verdade as duas varas fisgaram ao mesmo tempo, mas não escutamos a outra. As linhas haviam se cruzado e o peixe estava na outra vara. Pedi ajuda para a Lilian, que enquanto continuava a recolher a primeira vara, eu fui trabalhar com a segunda. Vi que era um dourado, e conseguimos trazer até próximo ao barco, mas em um puxão mais forte, a linha arrebentou exatamente onde elas tinham se embaralhado... Pena, faz tempo que não comemos um dourado.

Rapidinho refiz uma das varas e lancei na água, enquanto ia contornando o recife para chegar ao passe. Não deu outra, bem no meio da entrada do passe, outro peixe fisgou. Esse muito maior, e quando fui fechando a fricção, vi que não ia segurar esse, pois a vara estava a ponto de quebrar, e é uma vara bem grossa. Nisso arrebentou a linha, bem na junção da linha com a isca, e lá se foi o segundo peixe.

Bom, sem peixe de passagem fisgado, entramos pelo passe, com uma corrente muito forte, segui um pouco mais para o meio do atol e virei para sul, para onde estavam ancorados os outros barcos que por aqui já estavam. Quando cheguei mais perto vi que eles estavam ancorados em uma parte bem mais rasa, e preferi voltar um pouco para o centro e ancorar em dez metros de água, pois nas imediações de onde ancorei haviam vários cabeços de coral e eu queria ir mergulhar.

Assim que ancoramos e preparamos o barco para a estadia no recife, vesti meu equipamento de mergulho e fui mergulhar. Água claríssima, parecia mais um aquário, e de cima já vi garoupas e caranhas de bom tamanho. Vi também conchas gigantes (pahuas) enormes, algumas com mais de trinta centímetros de diâmetro. Comecei a descer e colher pahuas, e trouxe cinco para o barco. Em um dos mergulhos, estava com a arma na mão e desci uns dez metros para pegar uma das pahuas, e quando cheguei perto, saiu debaixo do coral um xarel médio, de uns quatro quilos, e eu atirei instintivamente. O peixe ficou se debatendo e emaranhando o cabo do arpão por vários corais naquele cabeço, enquanto eu subi para respirar. Imediatamente reparei dois tubarões galha branca, maiores do que eu, vindo de longe. Eles ouviram o tiro e o peixe se debatendo e estavam procurando de onde vinha o barulho, e agora, o cheiro de sangue na água. Desci rápido para desembaraçar a linha e subir com o peixe, e enquanto estava fazendo isso me surpreendi com um deles passando no meio da minha perna e a menos de um metro da minha mão trabalhando o peixe. Consegui desvencilhar o peixe e subi, surpreendido pela agressividade do galha branca, que ficou procurando pelo peixe lá embaixo. Nadei de volta para o Matajusi, sempre olhando para trás para saber onde estavam os tubarões. De primeiro eles não me seguiram, mas depois começaram a farejar a trilha do peixe ferido e vieram atrás de mim. Cheguei à plataforma e pus o peixe para cima, ficando atento ao que os tubarões iriam fazer, mas eles não chegaram muito perto e se foram rapidinho. Voltei para o mergulho, mas dessa vez somente com um arpão havaiano e sem a parte do meio, só para me defender se algum tubarão chegasse perto demais, e fui explorar mais a área. Tinha muita corrente, então nadei contra a corrente examinando o fundo, e descia quando achava algo interessante. Em um desses mergulhos notei um linguado de bom tamanho no fundo, perto de onde eu tinha descido, mas desviei a atenção dele e ele sumiu na areia. Explorei bem a área, e colhi ao todo cinco conchas gigantes, com perto de trinta centímetros cada uma. Era o suficiente para comermos a bordo. Quando estava pondo mais duas conchas na plataforma do barco, notei o linguado, que estava me seguindo, embaixo do barco. Desci com a havaiana pequena mesmo e peguei o linguado.

Limpei os peixes e guardamos no freezer para outra hora, pendurando a carcaça do xarel na plataforma do barco para ver se os tubarões vinham pegar, enquanto eu me ocupava com a abertura e limpeza das conchas. Fui surpreendido de novo, quando um dos galha brancas mordeu a carcaça e, com a resistência do cabo que usei para amarrá-la na plataforma, ele começou a se debater e quase me deu uma rabada na cara. Em algumas debatidas e ele já tinha cortado o cabo e saiu levando a carcaça.

A Lilian preparou um molho de macarrão com as conchas, que ficou delicioso! Comemos, enquanto vimos todos os barcos ancorados levantarem ancora e atravessarem o atol até o lado leste, onde tem um pesqueiro que bateu no atol e ficou por ali. Almoçamos e levantamos ancora indo ancorar no leste do atol, junto aos outros barcos.

Por lá estavam o Canela, outro barco brasileiro na área, o Anima III e o Migration, que já conhecíamos de Aitutaki, e o Kovup, um pequeno veleiro que havíamos conhecido em Balboa, com três garotos franceses a bordo. Eu me lembrava deles bem, principalmente do Manu, que teve certa influência sobre minha travessia do Pacifico, pois quando ele disse que saía para as Marquesas no dia seguinte, eu perguntei se já não era tarde na estação para ir para as Marquesas, e ele respondeu que "nunca é tarde"! Isso me impressionou na hora e em seguida tomei a decisão de partir também. Se um garoto Francês ia com seu barquinho vermelho para as Marquesas, o Matajusi ia também, e aqui estamos, juntos novamente depois de seis mil milhas navegadas...

À noitinha notei que vários botes haviam ido para o Canela, e chamei o Canela pelo VHF. Eles estavam fazendo um happy hour, e o Martin do Anima III e o Gustavo do Canela iam tocar violão. Na hora me convidei para me juntar a eles e tocar flauta. Fizemos um som muito gostoso, tocando até tarde da noite. Eu e o Martin tocávamos, com o Gustavo acompanhando algumas músicas, e os outros cantavam. Que gostoso! Essa é uma das atividades que mais gosto de participar.

Voltei tarde para o Matajusi e a Lilian estava assistindo um filme. Terminei de assistir com ela e fomos dormir.

No dia seguinte chegaram o Pajé e o Beduína e tivemos toda aquela movimentação sobre o Tsunami. Todos os barcos foram embora do recife, e Matajusi, o Pajé e o Beduína ficamos com o recife só para a gente, indo ancorar na mesma área ao leste do recife onde estávamos antes. Mesmo tendo dormido bem, o estresse causado pelo Tsunami nos cansou, e fomos todos dormir cedo nesse dia, mas combinando uma pescaria para cedo do dia seguinte.

Falou em pescaria e levanto a hora que for preciso, então as sete horas já estava de pé, e me preparando para o mergulho. Acabamos saindo só umas dez e meia, indo o pessoal do Beduína e do Pajé no bote do Beduína e eu e a Lilian no nosso botinho de brinquedo.

Explico. O nosso botinho laranjinha, um Flexboat de 8 pés, tipo Miniflex S, com fundo chato e feito de hapalon, é totalmente impróprio para esse tipo de viagem, pois o fundo chato não permite que plane, as bolachas são muito pequenas e baixas, entrando água na menor das ondulações, e elas entortam com a força do motor, dobrando o espelho de popa e fazendo com que o motor fique quase que debaixo do bote. Esse é o menor bote que já vimos na nossa viagem. Na verdade eu comprei errado, pois o propósito desse bote é ficar enrolado dentro do barco, como um bote reserva no caso de se perder o bote principal. O bote principal deve ter, bolachas largas, no mínimo duas vezes mais largas do que a do miniflex, fundo rígido, espelho de popa forte, para agüentar um motor de até quinze cavalos, muito mais comum nos outros barcos do que os motores menores, com 3 a cinco cavalos. Deve ser de hapalon, e ter no mínimo 8 pés, mas se puder ser maior, melhor, contanto que caiba no barco mãe. Na Venezuela fabricam o Caribe, que é um dos melhores botes que já vi por aqui, e muito comum entre os cruzeiristas fazendo essa viagem, pois todos passaram pela Venezuela. Tem também outro, o A&B, muito parecido com o Caribe. Quando chegar à Nova Zelândia, troco de bote e talvez de motor. Até lá, nos encharcamos em todas as nossas saídas no laranjinha. Por causa disso, aprendemos a andar de pé no botinho, o que é estranho, visto pelos outros barcos, mas se não fizermos isso, chegamos encharcados à festa!

Mergulhamos quase que o dia inteiro, começando por uma passada no veleiro afundado que está bem à nossa frente no leste do atol, com metade do barco acima da água e a outra metade encravada na areia e nos corais. Lá encontrei um rolo com centenas de metros de linha de pesca duzentos, vermelha, muito usada nos espinhéis de alto mar e tirei uns cem metros para usar no barco, talvez até como moeda de troca ou presente para pescadores encontrados pelo caminho. Depois fui caçar umas garoupinhas, evitando as grandes por causa da ciguatera, e trouxe sete garoupinhas em torno de um quilo no final do mergulho.

Fui no laranjinha sozinho, e fiquei tentando vários lugares, alguns nos corais próximo à barreira, outros mais no centro do atol, onde tinham vários cabeços próximos um do outro. Em um dos mergulhos vi um tubarão assustado que quando me viu saiu em disparada, e em outro um mais assanhado que chegava perto demais para meu conforto. Acabei atirando nele, mas o arpão bateu nele e voltou. Faz muito tempo que não atiro em tubarões, desde meus vinte e poucos anos de idade quando ia com alguma freqüência para Fernando de Noronha, só para caçar tubarões. Naquela época, tubarão era bicho ruim, melhor morto do que vivo. Lógico que hoje não se pensa mais assim, e os tubarões são uma grande fonte de renda pelos lugares onde passamos, pois muitos turistas pagam para vê-los debaixo d'água, sendo alimentados pelos mergulhadores treinados em fazer isso. Fiquei aliviado de não tê-lo matado, e ele ficou bem mais experto comigo, sem chegar mais perto. Não parece que o arpão tenha feito qualquer estrago. Ficou somente uma manchinha branca onde o arpão bateu. Logo ele se foi e eu continuei meu mergulho.

No final do dia, combinamos de jantar todos no Beduína, com a Gislayne preparando um cação que o Mario e o Hugo pegaram, a Lilian com o arroz e as batatas, e a Paula com os aperitivos de entrada. Tudo estava delicioso, e ficamos um bom tempo conversando, conversas de cruzeiristas.

Hoje de manhã, o Pajé e o Beduína levantaram ancoras e seguiram para Niue, e eu continuei ancorado, pois quero ir direto para Tonga, sendo Niue mais um lugar onde se ancora do lado de fora e estamos cansados disso por hora. Além disso, vimos o PuraVida dos americanos chegando à Beveridge e queremos devolver o convite de aperitivos a bordo que eles nos estenderam em Papeete. Temos encontrado com eles em vários lugares por onde passamos a acabamos zdesenvolvendo uma amizade. Hoje convidei-os para uns drinques a bordo do Matajusi.

Enquanto isso estamos arrumando o barco, fazendo água, e escrevendo.

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