quarta-feira, novembro 10, 2010

Matajusi pela primeira vez em CAPA:

Não, não saímos em capa de revista! Explico. Capa é o termo que se usa na linguagem de vela quando se para de navegar no meio do mar, preparando o barco para ser arrastado pelo vento, ondas e corrente. Eu sempre quis saber como se comportaria o Matajusi em situação de capa, e aproveitei a tempestade de ontem para testar, e ir dormir para descansar um pouco, pois estava cuidando do barco desde as dez da manha, em chuva torrencial como nunca vi antes, os chamados monsoons (monções) daqui. Em Novembro, começam os monsoons de Noroeste, com chuvas diárias e vento vindo do Noroeste, promovendo as correntes marinhas irem na mesma direção. Hora errada para se navegar para o Noroeste, mas melhor do que ficar parado na Australia esperando a estação dos ciclones passar, pois se vê muito mais.
Poucos barcos vem por essas bandas, uma por causa da má reputação da área com relação a piratas, outra pela dificuldade com a língua, pois muito raramente se encontra alguém que fale inglês, outra pela falta de informação de ancoragens, áreas de serviço, abastecimento, entre outras, e também por causa das marés esquisitas que se tem por aqui. Existem normalmente duas marés por dia, uma pequena e uma grande. A área é rasa, ficando sempre mais raso do que sessenta metros. Existem muitas obstruções pelo caminho, muitas não documentadas nas cartas, além das centenas de barcos de pesca espalhados pelo mar. Eles aparecem perto do anoitecer e desaparecem no raiar do dia.
Mas, continuando sobre o assunto da capa, estava já há seis horas cuidando do barco, no meio de uma chuva muito forte a ponto de não se conseguir abrir os olhos. Para ajudar, usei um óculo amarelo, clareando a visão, não deixando a água bater nos olhos, escolhido na J&F Sunglasses do Guaruja, que me patrocinou com vários tipos de óculos para a viagem de circunavegação. A visibilidade era menos do que cem metros a toda a volta do barco. Eu tinha jogado os cabos de aterragem do estaiamento na água e desligado o radar e a maioria dos instrumentos de bordo, por causa dos raios que estavam caindo há sete segundos, ou seja, perto demais para conforto. Isso tudo enquanto o vento rondava a cada dez minutos, ficando impossível ajustar velas. Estava com a mestra no terceiro riso com escôta e traveller ajustados para ela dar o bordo sozinha, a genoa enrolada e a trinqueta armada, por ser mais fácil dar o bordo com ela, além de pegar menos vento nas rajadas fortes que estavam chegando aos trinta nós.
Lá pelas quatro da tarde, completamente ensopado, me senti com frio, cansado e com sono, mas não tinha como sair do cockpit, então decidi tentar por o barco na capa. Dei bordo no barco deixando a trinqueta aquartelada na barla (lado por onde o vento entra), abri a mestra risada para a sota (lado por onde o vento sai), virei o leme todo contra o vento, para o lado onde a trinqueta estava aquartelada, e esperei o barco parar de navegar e começar a escorregar de lado, empurrado pelo vento, ondas e corrente. Logo percebi que ele não ia sair dessa posição, desliguei todo o equipamento menos o AIS e um radio portátil VHF, liguei a luz de ancora, mas piscando, e entrei para ir dormir. O barco arrastou por duas milhas e meia enquanto eu dormia tranquilamente na cabine.
O AIS ficou ligado, pois ele independe dos outros equipamentos do barco, e transmite a posição do barco para os navios, o maior perigo em situação como estávamos, por navegarem muito rápido. Quando acordei e religuei o sistema, percebi que um navio havia passado a apenas uma milha de onde estávamos flutuando desgovernados! Me orgulho de ter sido o primeiro veleiro do Brasil a ter instalado o AIS, entre outros equipamentos, únicos no Matajusi, como o DuoGen, gerador de arrasto para ser usado a noite quando se navega, gerando até quatorze amperes de energia.
Nossa curta parada em Sakapura, cidade principal da ilha de Bawean no Kalimantan (Borneo), foi no mínimo, interessante...
Primeiro porque a carta não tem os detalhes da entrada do porto, então, como primeiro barco a entrar, pois o QOVOP vinha um pouco atrás, tive que ir descobrindo o lugar, procurando por sinais que pudessem me dar uma idéia de como entrar. Vi um píer longo, com embarcações maiores do que o Matajusi, então, havia alguma entrada para esse píer. Devagar, fui entrando na direção do píer, evitando áreas que pareciam mais rasas.
Chegando ao píer, pelo sinal de algumas pessoas por lá, percebi que deveria amarrar do lado de dentro do píer, que era muito alto, mais alto do que o deck do Matajusi, então, nem pensar em atracar. Contornei o píer e fui me aproximando, decidindo jogar ancora na proa e chegar de popa, trazendo o barco no motor, de ré, e segurando pela ancora na proa, soltando a ancora na medida em que precisava me aproximar mais. A alguns metros, joguei amarras para o pessoal no píer, que a esse ponto começou a acumular, intrigados pelo veleiro chegando à ilha deles, acontecimento raríssimo por lá.
Enquanto o QOVOP chegava e se preparava para atracar do mesmo jeito que eu tinha atracado, mostrei os galões de diesel, dois galões de quarenta litros, que espremendo até o topo, podem conter quarenta e cinco litros, e pedi Solar, o nome de diesel por aqui. Um se ofereceu a ir buscar na cidade, pois não tinha no píer, e fiz uma ponte de cabo para passar os dois galões para cima do píer. Lá se foram dois rapazes de moto com meus galões de quarenta litros...
O QOVOP atracou, os garotos desceram do barco, levando consigo quatro galões de vinte litros, pegando uma carona em um carrinho que transportava pedras que estavam sendo descarregadas de uma pequeno navio atracado na ponta do píer.
Passado meia hora, chegou um carro com meus dois galões de quarenta litros cheios ate a boca, e um cara que parecia organizar a coisa por ali, pegou uma nota que veio com os galões, e percebi que ele não queria me entregar a nota. Pensei, ele vai me cobrar mais caro do que a nota! Não me importo em pagar pelo serviço, mas sem exploração...
Finalmente ele me passou a nota, e aí percebi porque ele não quis me passar! A nota dizia cem litros (!) por RP 10.000 o litro, num total de RP 1.000.000 (hum milhão de rupias)!!!
Da ultima vez que enchi os galões, em Serangan, Bali, só consegui por quarenta e cinco litros em cada, e havia me custado RP 450.000. Eles tinham conseguido por dez litros a mais, e cobrado mais do que o dobro!
Por Alá! Confusão armada! Como dizer a um ladrão mentiroso sem ofender um muçulmano na frente de outros muitos muçulmanos, que ele estava mentindo e me roubando, duas coisas proibidas pelo Alcorão?
Continuei sorrindo, e, por gestos, demonstrei que os galões não suportavam cinquenta litros cada, e que iria esperar o pessoal do QOVOP chegar, para saber quanto eles haviam pagado pelo diesel.
Enquanto esperávamos, trocamos vários bilhetes, onde eu demonstrei via desenhos que os galões não suportavam cinqüenta litros, somente quarenta e cinco, e quanto eu havia pagado Solar em outros lugares da Indonésia. Isso tudo com todos, e todos aumentando a cada minuto, agora também incluindo um carro da policia, olhando e comentando na língua deles. Interessante que a maioria demonstrou estar do meu lado!
Para amenizar as coisas, preparei um bilhete com quatro linhas, 90 litros (1), que vezes o preço do litro (2), totalizava tanto (3), e que aceitava pagar dez por cento do total como serviço (4), com os espaços livres para serem preenchidos.
Ele preencheu os espaços vazios, agora aceitando os noventa litros, abaixando o preço por litro para Rp 6.500, e cobrando Rp 30.000 pelo serviço (menor que os dez por cento que eu havia oferecido).
Nesse meio tempo, sem entendimento, entre as partes, chegaram os garotos do QOVOP, dizendo que haviam pagado Rp 5.000 por litro. Como o Manu já consegue um bom dialogo na língua nativa, ele negociou com o muitas vezes mentiroso e finalizamos em Rp 450.000 pelo diesel, a Rp 5.000 o litro, e mais Rp 50.000 de serviço, totalizando em Rp 500.000, ou seja, a metade do que eles haviam cobrado no inicio, uma pratica muito comum na Indonésia, pedir o dobro do que vale.
Estamos a caminho da próxima ancoragem, devendo chegar até o final da tarde...
-----
At 10/11/2010 13:24 (local) our position was 03°48.14'S 110°20.30'E, our course was 309T and our speed was 3.8.
No dia 10/11/2010 as 13:24 horas (local) nossa posição era 03°48.14'S 110°20.30'E, nosso curso era 309T e nossa velocidade era 3.8.
----------
radio email processed by SailMail
for information see: http://www.sailmail.com/
Veja nossa posição no Google Maps