quarta-feira, março 11, 2009

De Buzios a Ilheus - Texto:

De Búzios a Ilhéus:
(Fotos por Lílian Monteiro, Silvio Ramos).

Desde que saímos do Bracuhy, com suas águas calmas, praticamente todos os lugares que fomos e por onde passamos, sacudimos o tempo todo, um bom treino para uma travessia mais longa. Não conseguimos atracar em um píer desde o Bracuhy até Salvador, onde ficamos atracados no Terminal Náutico. Lá pudemos novamente conectar o barco na rede elétrica e tivemos água a vontade para lavar o barco e encher os tanques de água.

Búzios a Vitória:

Nossa partida de Búzios para Vitória foi as 05hs da manhã do dia 25/07, com vento fraco de noroeste e ondas entre 1 a 2 metros, virando depois da passagem pelo Cabo de São Tomé para um sudoeste entre 10 e 30 nós, com ondas entre 2 a 3 metros. Foram 73 milhas náuticas no rumo 77° até o cabo, mais 106 milhas náuticas no rumo 42° do cabo à Vitória, em um total de 180 milhas navegadas.

Chegamos a Vitória as 10hs30 horas do dia 26/07, depois de 29hs30min navegadas, fazendo média de 7.8 nós, ajudados pelo sudoeste. Chegamos a andar a 12.4 nós! Passar pelo cabo era para nós ainda uma incógnita, por tudo que se fala sobre a passagem por aquele lugar, e escolhemos passar por fora do cabeço de fora para evitar possíveis ondas e correntes fortes, assim, não tivemos qualquer problema na nossa primeira passagem pelo famoso cabo.

Tivemos vários problemas durante essa perna, sendo um deles uma inundação de água salgada no banheiro de boreste, onde, devido a um entupimento por cabelo na bomba de pé que escoa a água do poceto depois de um banho, alguma água conseguia passar pelas válvulas, que não fechavam completamente por causa dos cabelos. Quando a Lílian me informou sobre água salgada no banheiro, fiquei matutando lá no cockpit, enquanto tocava o barco, sobre como poderia a água entrar, e acabei achando por onde, mas errei no motivo. Achei que o estaleiro tinha esquecido de por uma válvula de não retorno, a exemplo da saída da pia do banheiro, e só depois que fui fazer manutenção na bomba de pedal que entendi realmente o que havia acontecido. Mas fica aqui uma sugestão, pois se a válvula do pedal estiver entreaberta por estar suja, pode deixar passar água onde não devia.


Outro problema foi com o preventer que o Gunter fabricou para o Matajusi. Conforme eu havia sugerido a ele, o cabo comeu as roldanas de náilon. A força do jib nesse barco é enorme, e para funcionar, as roldanas deveriam ser de alumínio. Retirei o preventer e improvisei um preventer com um cabo amarado a ¾ da retranca, passando por um moitão instalado por um pelicano no pé do brandal e a outra ponta do cabo preso a um cunho ao alcance do cockpit. Isso também não funcionou, e depois de dois pelicanos esticados, resolvi instalar o moitão ao brandal com uma manilha de 10 mm. Dessa vez funcionou e assim ficou até o momento.

Mais um problema resolvido, que ainda devem ser estudadas as causas, foi o cabo do enrolador da genoa, de 8 mm, entrar no meio do disco da panela, em uma fresta de menos de 1mm! O cabo quase cortou e teria dado um trabalhão enrolar aquela vela em ventos de 30 nós sem o cabo do enrolador. Talvez eu tivesse que abaixar a vela. Por sorte, eu tenho essa mania de ficar olhando os detalhes das coisas a bordo e percebi algo errado no enrolador, lá de trás do cockpit. Para trocar, fiquei uns 20 minutos mergulhando junto com a proa do barco em ondas de 2 a 3 metros de altura. Segurando as ferramentas com a boca, e me segurando ao guarda - mancebo com as mãos, foi uma cena digna de uma foto, pena que não conseguimos fazer isso, pois faltaram mãos e dedos para mais essa tarefa. Quero fazer uma sugestão para a Nautos para que esse problema não aconteça novamente, que seria modificar o formato das meias luas que formam a panela do enrolador para não se ter um espaço continuo para o cabo entrar.

Vitória é uma cidade grande, com bons restaurantes e supermercados, então aproveitamos para fazer compras e caminhar. Lá, embarcou o Leandro Ramalho, um cara muito legal, com um bom papo, e um profundo conhecimento do Windows e PCs. Ele me ajudou a consertar o problema que me estava impedindo de acessar a internet do barco, assim pude recomeçar a preparar as colunas da Náutica e fazer alguns updates do nosso blog. Com a ajuda do Leandro, participamos da regata Soamar, a sua primeira regata, onde conseguimos o segundo lugar na categoria de bico de proa, depois de uma largada desastrosa, onde quase abalroamos o Nirvana que estava sendo comandado pelo Ricardo Montenegro. O Leandro nunca tinha velejado com um barco de 40 pés, onde as forças exercidas pelas velas são muito grandes e tentava caçar as escôtas com a mão. Quando perdi o leme em uma rajada mais forte, gritei para ele soltar a genoa, mas ele demorou muito para a manobra, e fomos direto para o Nirvana. Quando achava que tudo já estava perdido, e teria que procurar pela minha ancora dentro do Nirvana, ele conseguiu soltar a genoa e eu retomei o controle do barco, dando um bordo a apenas alguns metros do Nirvana. As condições da regata eram as que eu e o meu barco gostamos, com ventos e ondas fortes, então, fomos buscando os outros competidores um a um, até conseguirmos o segundo lugar. Acumulamos mais uma medalha e o Leandro saiu com sua primeira.

Vitória a Abrolhos:

Saímos de Vitória as 04h30min da manhã do dia 04/08, com ventos de sudoeste entre 18 e 32 nós, e ondas entre 2 e 4 metros. Fizemos as primeiras 67 milhas, até o Rio Doce, no rumo 62°, o que nos punha com vento e mar de popa, navegando entre 7 e 9 nós. Havia pendurado o bote na targa, com sua popa apoiada na plataforma de popa do Matajusi, mas o vento forte pela popa empurrava o bote contra a targa, o fazendo bater no antena tuner do rádio SSB. Pedi a ajuda do Leandro, e, depois de passar o cabinho do bote para ele enrolar na targa, o que conferi antes de largar os outros cabos que prendiam o bote à targa. Mas, quando larguei os outros cabos, ele havia amarrado mal o bote e estava tentando segurar o bote com a mão, como tentava fazer com as escôtas da genoa, e lógico, não segurou, então tivemos nosso primeiro treino de MOB (homem ao mar) só que desta vez, BOB (bote ao mar). Depois de recuperado o bote, seguimos sem mais incidentes.

Depois do Rio Doce, as próximas 118 milhas até Abrolhos fizemos pelo rumo 53°. Eu toquei das 04h30min da manhã até as 23h00min do mesmo dia, assumindo primeiro o Leandro por 3 horas, depois a Lílian por mais 3 horas, depois retornei e toquei até Abrolhos.

Um dos problemas dessa perna foi perceber que havia algo errado com o leme! Perder o leme na viagem para Abrolhos, seria realmente um grande problema, então, passei grande parte do tempo mergulhado no submundo do barco, tentando entender o que estava acontecendo. Percebi que o eixo do leme se mexia um centímetro para cada lado, e mais um centímetro para baixo e para cima. Liguei para o Gunter enquanto ainda havia cobertura do celular e discutimos o que poderia estar causando aquele problema. Eu estava apovarado de pensar no leme caindo para dentro do mar, o que, além de ficar sem leme, o que eu poderia resolver com um leme de fortuna, ainda teria que resolver o problema do enorme buraco que ficaria no lugar onde estivera o leme! Acabei aceitando que o leme não cairia, pois ainda estava preso pelo quadrante, mas continuei tentando entender porque ele tinha aquele jogo. Segundo o Gunther, deveriam ter dois parafusos de ajuste do rolamento de baixo, o que não consegui encontrar. Até esse momento, não sei o que esta acontecendo, e contratei uma empresa em Salvador, onde o Matajusi esta nesse momento, para tirar o leme e avaliar e corrigir o problema.

Outra grande preocupação era a cólica renal que eu estava sentindo. Antes de sair de SP, havia feito uma tomografia que detectou 8 pedras nos rins, com tamanhos entre 0,5 e 0,8 mm. As de 0,5 podem até passar, com muita dor, mas as de 0,8 não passam e podem fechar o ureter, causando grande dor além do risco de perder o rim, que não consegue esvaziar por entupimento do ureter. Confiei na sorte e na minha estrela e fui em frente, com cólica e tudo. Isso me ajudou a ficar acordado.


Outro grande destaque dessa perna foram as enumeras baleias que vimos. Vimos todos os comportamentos conhecidos, rabo para fora, nadadeiras para fora, ora paradas ora batendo forte na água, respirar e afundar, entre outros. Mais um destaque foi perceber como a Lílian tem melhorado seus conhecimentos do barco e das condições de navegação. Quando ela assumiu do Leandro, logo percebeu que havia algo errado com a mestra, pois estava aquartelada a bombordo, com vento vindo pelo mesmo bordo. Ela me chamou e fui acertar o preventer, que estava segurando a vela no bordo errado. Arrumei e voltei a dormir.

Abrolhos:

Além da hospitalidade dos moradores de lá, tanto da Marinha quanto do Ibama, que lugar lindo! Mergulhamos muito e vimos peixes enormes, alguns passando dos 200 quilos. Em Abrolhos, tivemos o Hamilton e a Vera do Piatã para um arroz com polvo que fiz. É sempre muito bom conhecer e se familiarizar com novos amigos cruzeiristas. Eles estão trazendo seu veleiro de Porto Alegre, a caminho de Fortaleza, onde eles têm um restaurante, o Brasão. Combinamos de fazer a Refeno e depois o Amazonas juntos. Vamos trabalhar em formar uma boa flotilha para navegarmos juntos pelo Amazonas.

Minhas cólicas renais pioraram, então decidi não ir para Santo André e ir direto para Ilhéus, onde suporte médico seria melhor. No caminho, ainda teria Porto Seguro, onde poderia entrar em uma emergência médica.

Fomos convidados para um almoço com churrasco de peixe no veleiro Terra Natal, do Rodrigo e comemos muito bem. Acabamos ficando também bem próximos do pessoal do Terra Natal, que também deve nos acompanhar nas próximas velejadas.

O pessoal do CCL, juntamente com o pessoal da Marinha organizaram um mega churrasco na ilha, com muita carne. O churrasco rolou por toda a tarde e a noitinha fomos visitar o farol de Abrolhos, onde conseguimos fotos maravilhosas tanto do farol como, de dentro dele, da flotilha partindo para Santo André.

Eu e o Rodrigo, do Terra Natal, decidimos ficar mais um dia em Abrolhos, de onde saímos no dia 08/08 as 5hs, com destino a Ilhéus, onde Leandro desembarcaria e meu irmão Sergio, que é medico, embarcaria.

Abrolhos a Ilhéus:

Essa foi uma velejada invejável, com ventos de Leste entre 8 e 15 nós. Tomamos o rumo de 24° para as primeiras 123 milhas, mudando depois de passar por Belmonte para rumo 10°, navegando as 71 milhas restantes até Ilhéus.

O grande acontecimento dessa perna foi nossa pescaria de corrico! O primeiro peixe que mordeu a isca era muito grande e devia estar com muita fome, pois levou tudo com ele. Cheguei a segurar a vara, mas a força que ele fazia era enorme, demonstrando ser um peixe de grandes proporções. Logo em seguida, fisgamos outro, que parecia grande, mas no fim não brigou muito e embarcamos nosso primeiro peixe pego no corrico no Matajusi, uma Sororoca de uns 5 quilos. Foi a maior confusão a bordo! Não estávamos preparados para tudo aquilo! Era sangue pra todo lado, e ela não parava de se debater, nem depois de muitas facadas no apagador, guelras e coração. Deu trabalho, mas limpei o peixe enquanto Lílian limpava o barco. Depois pegamos um atum pequeno, de uns 4 quilos, e mais uma sororoca de uns 3 quilos. Ainda perdemos mais um peixe grande, quando o Leandro fechou a fricção da carretilha assim que o peixe fisgou. Aí arrebentou a linha, bem em uma emenda no cabo de aço. Pode ser que a emenda estivesse mal feita, mas de qualquer forma, ensinei ao Leandro que tem que se trabalhar o peixe até ele cansar, dando e tomando linha, sem dar folga e sem forçar demais.

Chegamos a Ilhéus no dia 09/08 às 9hs, com uma média de 7 nós/hora.

Oferecemos um jantar para o pessoal do Terra Natal com o peixe que pescamos no corrico, mais arroz e pirão, feito com a cabeça de um dentão que havia comprado de pescadores em Abrolhos. Acabamos ficando bem próximos do Rodrigo também e passamos a fazer muitos programas juntos.

De Ilhéus, o Leandro voltou para São Paulo no dia 10 de avião, e meu irmão Sergio chegou no dia 11. Ele vai fazer as pernas de Ilhéus a Camamu e de Camamu a Salvador conosco. Fiquei muito contente com a vinda do meu irmão, pois além de excelente companhia ele também é médico e pode vir a ser importante no caso de eu ficar com uma pedra entalada no ureter ou na uretra. Não que ele seja urologista, na verdade, ele é ginecologista, mas, medico é medico, espero...

Na próxima coluna vou relatar o termino da nossa viagem com o CCL 2008, e nossos próximos planos.

Convido meus leitores a se comunicarem comigo pelo e-mail matajusi@gmail.com.