terça-feira, abril 24, 2012

2012/04/23 Nossa vidinha em Chagos

Nenhum dos oito barcos que aqui já estavam saíram ainda, e outros cinco barcos chegaram depois da gente, então, a vidinha normal de cruzeiristas em um lugar como Chagos é a de convidarmos alguém para vir comer no nosso barco, ou sermos convidados para ir comer em outro barco, e assim tem sido, o que vai fortalecendo essas novas amizades com barcos que não conhecíamos antes.

A Kathy do Mr Curly, casada com o Richard, vem para Chagos a mais de vinte anos, quase todos os anos, e é quem mais conhece o lugar. Ela sabe das trilhas, das arvores frutíferas, que são bem poucas, das lagoas de água doce, dos caranguejos de côco, dos peixes, das plantas, das ruínas, enfim, de tudo por aqui, e nos mostrou algumas trilhas além de ter-nos dado uma explicação geral sobre as ruínas, e ai pudemos conhecer um pouco mais sobre a vila que aqui antes existia.

Reconhecemos a igreja, a cadeia, a padaria, a escola, a casa dos visitantes importantes, o cemitério, que parece ter mais túmulos do que seria esperado pelo tamanho da ilha, mas a Kathy também explicou que a ilha tinha um surto de tétano, que existe até hoje, e que sessenta por cento das crianças morriam.

Nas trilhas, vimos buracos cavados e revestidos com blocos de coral, onde os moradores guardavam os cocos que colhiam. Vimos também inúmeros poços, e experimentamos tomar banho no poço principal, hoje usado para lavar roupas pelos cruzeiristas que por aqui passam, e achamos a água muito boa. Alguns cruzeiristas sem dessalinizador a bordo estão re-enchendo seus tanques de água com a água desse poço.

Sem sombra de dúvida, o lugar no mundo que estivemos mais infestado de tubarões! Eles estão por todo canto, inclusive no raso nas praias mas em geral não se incomodam com os humanos, mas isso do lado de dentro do atol, pois do lado de fora, a historia muda. Lá tem um tipo de tubarão que se chama silver-tip, que alguns disseram ser parente do tubarão branco, que não só chega muito perto, mas, como no meu caso, ataca também!

O Gil e a Moureen do Prynee, já tinham me convidado diversas vezes para ir mergulhar do lado de fora com eles, mas insistiam que eu não podia levar uma arma de mergulho, pois lá os tubarões eram muito agressivos, mas mesmo assim, quando aceitei o convite, levei a minha havaiana de alumínio, que tem três pedaços e fica bem longa depois de montada, só para o caso dos tais tubarões agressivos resolverem chegar perto demais. Fomos no meu botinho, atravessamos a parede de corais rasos e subimos contra a corrente, pois a idéia é pular na água e ir descendo a corrente junto ao bote, para o caso de algum tubarão se engraçar demais. O Gil ficou segurando o cabo do bote e eu e a Moureen ficamos descendo a corrente perto do bote. No lugar onde eles disseram existir esses silver-tips, perto da Ilha do Diable, eles começaram a aparecer. Um se interessou por mim, e veio direto do fundo na minha direção. Eu fiz um movimento com o arpão na direção dele, e ele deu uma volta mas voltou a vir na minha direção. Na segunda vez que eu o ameacei com o arpão, ele deu uma volta, abaixou as barbatanas peitorais e veio direto para mim. Aí tive que interferir com o arpão e dei uma bela cutucada quase que na cara dele. Só ai ele se afastou, e ficou afastado até o fim do nosso mergulho, mas sempre por ali. Era só eu mergulhar para ver alguma garoupa grande, ou outro tubarão, ou um xareu gigante mais de perto, e lá vinha ele pelas minhas costas...

Fico imaginando como seria arpoar um garoupão daqueles naquela área infestada de tubarões! Mas imagino que seria possível, desce rápido, atira para apagar, sobe rápido, pula no bote e só ai puxa a garoupa para cima... e pode ser que quando ela chegue, chega só a cabeça! Será que eles não morderiam o bote também?

Já dentro do atol, os tubarões são muitos, mas são do tipo Black-tip ou White-tip, e não são conhecidos por atacarem humanos, mas, se você tiver um peixe com você, ai você está no risco...

O fundo aqui não segura muito bem, então a maior preocupação por aqui é a ancoragem. Outro dia deu um vento que chegou perto dos trinta nós, durante um squal (Pirajá), e um barco do nosso lado garrou. Eu soltei mais corrente, e estamos agora com setenta metros de corrente para quinze de fundo, e não garramos, mas em compensação, só quero ver como vai estar a corrente na hora de partirmos, pois fica roçando o tempo todo nos corais do fundo.

Tem um catamaram novo, de sessenta e oito pés, semi afundado na outra ancoragem desse atol. Isso aconteceu Dezembro passado, quando entrou um squal e a ancora deles garrou, jogando eles na arrebentação. Uma historia triste, pois o barco era de um artista da Africa do Sul, que ia fazer algum show na Tailândia, então contratou um skiper para levar o barco, e pôs todos seus equipamentos do show dentro do barco, tudo sem seguro! O skiper não deveria ter entrado em Chagos, pois não tinha permissão da BIOT, então a perda foi grande, além de ficar agora as multas e o compromisso de limpar a área dos pedaços do barco afundado...

Temos até dia cinco de Maio para ficar, mas vamos definir a nossa saída com a melhor situação climática para a próxima travessia, que deve durar uns dez dias, mesmo que isso seja antes ou depois da nossa data permitida. Devemos ir em grupo de três ou mais barcos.

Mas, enquanto isso, continuamos curtindo o que o Marçal Ceccon chamou de melhor lugar no mundo por onde ele passou. Escrevi daqui para o Marçal, perguntando se havia alguma coisa que ele queria saber daqui, e soube dele que eles pararam de viver no barco e puseram o Rapunzel a venda, depois de terem vivido vinte e um anos no barco! Isso me põe para pensar, quando vai chegar a minha hora de fazer o mesmo...
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