Vou dedicar
essa matéria a alguns dos problemas de manutenção que tive com o motor Yanmar
do Matajusi.
Tudo
começou, e só foi preciso isso, com uma instalação mal feita pelo estaleiro que
fabricou o Matajusi e montou o motor no barco, seguida por uma vistoria mal
feita pelo representante Yanmar da região, que não percebeu a montagem errada,
e pronto, como “uma coisa leva a outra”, o problema foi aumentando e se
agravando até a situação de hoje.
Na
instalação inicial do motor feita pelo estaleiro, o cabo de acelerador e engate
da transmissão foi montado muito curto. Com isso, todas as vezes que o engate a
frente era acionado, não acionava corretamente a transmissão, faltando mais de
um centímetro para a transmissão ser acionada na forma como devia, e isso, com
o tempo, foi provocando um desgaste desnecessário do cone da transmissão.
Esse
problema poderia ter sido evitado, se, primeiro, o estaleiro tivesse montado
corretamente o cabo, segundo, se a inspeção da Yanmar tivesse reconhecido o
erro e promovido o acerto, mesmo antes de eu receber o barco e motor novos, e
terceiro, se eu entendesse alguma coisa sobre isso quando recebi o barco, e por
isso escrevo essa matéria, pois muitos serão os novos proprietários que poderão
reconhecer esses problemas e ajustarem o cabo de engate antes do problema
piorar.
Um problema
que na pratica pode ser identificado e corrigido, tendo-se o conhecimento para
tal, acabou gerando um custo enorme e desnecessário, acumulado com o risco do
motor nos deixar na mão, e pior ainda se
em uma hora onde isso não pode acontecer, ou seja, quando a gente realmente
estiver precisando contar com o motor em bom funcionamento. Não adianta o motor
ligar e funcionar bem, a transmissão tem que engatar e funcionar bem também
para o barco poder ter algum seguimento a motor.
Lembro que
em algum momento na nossa travessia pelo Pacifico, comecei a perceber que a
velocidade do barco não mais correspondia com a velocidade do motor, ou
Rotações Por Minuto do motor (RPM). Primeiro pensei que o hélice ou o eixo
estavam soltos, pois não conhecia o sistema o suficiente para poder
diagnosticar o que estava acontecendo. O que eu percebia era que o hélice
girava mais lento do que deveria estar girando. Para entender melhor, eu olhava
no volume de água que era empurrado para trás pelo hélice, para empurrar o
barco para a frente, e aquilo não parecia corresponder com o RPM do motor.
Como em
travessias usamos o motor somente ajudando o seguimento à vela, sempre em baixa
rotação, algo entre 1.200 e 1.800 RPM, pois nessa velocidade o consumo é bem
menor e a distancia que podemos
percorrer aumenta bastante. Com os três tanques de diesel do Matajusi, com um
total de 330 litros de diesel, consigo fazer algo em torno de mil milhas
ajudando o seguimento à vela com o motor.
Minha
experiência mostra que o consumo seria na ordem de vinte e cinco litros por
vinte e quatro horas de motor, ou seja, pouco mais de hum litro por hora, o
equivalente a um quarto de tanque por
dia, o que me daria na ordem de doze dias de ajuda com o motor, que a uma media
de cem milhas por dia, ou seja, muito pouco vento a favor ou talvez vento
ou corrente contra, me daria as mil
milhas iniciais. Mas, o problema com usar o motor nessa baixa rotação, é que
não se percebe quando a transmissão esta patinando, pouco ou muito, pois o
barco continua com algum seguimento com o vento ou corrente, dai a importância
de se conhecer esse problema para podermos identifica-lo antes do problema
piorar a ponto de perdermos qualquer possibilidade de seguimento á motor.
No meu
caso, a situação ficava mais complexa pois o barco usava um hélice Kiwi Prop,
que se alinhava à agua para diminuir o arrasto quando o seguimento era a vela.
Primeiro pensei que o hélice não estava armando corretamente, e cheguei a
mergulhar seguro a um cabo amarrado à
proa, com o barco e motor em seguimento, para ver o que acontecia e foi aí que
percebi que o problema era que o hélice não girava na velocidade que deveria
girar em relação à rotação do motor, somente quando o motor era acelerado, e ai
percebia-se um “tum” em algum lugar do sistema,
com o barco voltando a se comportar como deveria.
Sem
conhecer ainda o sistema, ficava difícil identificar de onde vinha o “tum”, e até chegarmos na Nova Zelândia,
quando tirei o Kiwi Prop e re-instalei o hélice original do barco, de bronze
com duas pás, que percebi, mais isso somente depois de voltar o barco para a
água, então resolvi deixar ainda com o “tum” até Fiji, onde tinha outro
representante Yanmar.
Em Fiji,
conversando com outro navegador que já tinha tido esse problema, aprendi sobre
os cones do sail drive da Yanmar, como funcionavam, e os problemas que davam,
mas isso, mais comum nos sail drives anteriores ao do Matajusi,que tem o SD50.
Escrevi para o David, um amigo da Yanmar de Opua na Nova Zelandia e ele me
mandou copia do manual do SD50, com instruçoes de como consertar o problema da
derrapagem do cone das rabetas Yanmar (Sleepering Cones). O problema era tão
grave nos sail drives anteriores que a Yanmar desenhou um sistema onde o eixo
pode ser desacoplado da caixa de transmissão, com um simples soltar de quatro
parafusos e empurrar o eixo para fora do
cone, muito simples, e permite que se retire a caixa de transmissão, agora sem
o eixo espetado no meio dela. Dentro da caixa de transmissão, fica esse cone,
parecido com um ioio de bronze.
Uma vez
retirada e limpa a caixa de transmissão dava para ver o desgaste no cone
original, de ficar patinando, e de dar e tomar o tranco ( “tum”) quando a
transmissão engatava em maiores rotações do que a de marcha lenta. Feito isso, levei a caixa inteira para a
BaoBab, representante Yanmar em Lautoka, Fiji, e pedi para eles trocarem o
cone, pois havia conseguido um novo com meu amigo Mike Dawson do Shellette, que
tinha dois de reserva, pois ja tinha passado por esse problema também. Lá eles
desmontaram a caixa, trocaram os cones, e me devolveram para eu re-instalar no
barco.
Feito tudo
isso, a transmissão voltou a funcionar normalmente, ou seja, engatava e não
dava o “tum”. Mas, o problema não estava lá, somente a consequência, o problema
continuava a ser a do cabo de engate, mas eu não conhecia o suficiente para
saber disso. Resultado, não demorou muito e a patinação começou de novo!
Pensei
ter sido um serviço errado na montagem da caixa de transmissão pela BaoBab,
mas, resolvi estudar mais profundamente o sistema. Escrevi novamente para o
David de Opua explicando a nova situação, e ele então sugeriu olhar no cabo de
engate, e dito e feito, foi ai que descobri que eles não estavam ajustados
corretamente. Não deu muito trabalho ajustar, foi desmontar os cabos no engate
e acelerador no motor, acionar o engate com a mão mesmo, e acionar o cabo em
paralelo, fora do engate, para ver se o cabo e o engate acabavam no mesmo
lugar, e não acabavam! Faltava pouco mais de um centímetro para o cabo chegar
onde o engate chegava! Se eu soubesse disso antes?! Teria economizado muito dinheiro, tido muito
menos problemas, menos preocupações e dores de cabeça, tudo por causa de um
centímetro de cabo!
Bom,
ajustei o cabo, chequei bem, e o engate voltou a funcionar corretamente, mas, e
sempre tem um mas, como ele havia
funcionado errado por um tempo, provavelmente desgastou o novo cone também,
pois no meio da travessia do Atlântico, a transmissão começou a patinar pela
terceira vês na minha volta ao mundo!
Cheguei em
Angra, contratei o pessoal da Náutica Porto Novo, representantes Yanmar para
fazer uma revisão completa no motor do Matajusi, e aí vieram as novas
surpresas! O acoplador do motor, uma peça que fica entre o volante e a
transmissão, estava quase que derretido pelos “tums” que teve que aguentar
durante essas trinta e duas mil milhas e mais de quatro mil horas que levaram
para eu dar uma volta ao mundo! Isso ia me custar mais uma revisão do motor,
não fosse o fato de que, meu motor Yanmar veio com um defeito de fabricação
onde o retentor de óleo que fica atras do volante vazava desde novo. Na época,
a Yanmar tinha autorizado a troca, mas não tinham tempo de fazer a troca antes
de sairmos com o Cruzeiro Costa Leste de 2008 a caminho do norte do Brasil, a
acabou ficando sem fazer. Quando separamos o motor da transmissão, para trocar
esse retentor, descobrimos o acoplador destruído pelos “tums”.
Moral da
historia, tivesse o cabo sido instalado corretamente, ou, tivesse a inspeção de
entrega da Yanmar identificado o problema, ou, tivessem todos os outros
distribuidores Yanmar ao redor do mundo devidamente reconhecido a origem do
problema, ou, tivesse eu todo o conhecimento que tenho hoje sobre esse assunto,
e não teríamos tido todo esse custo desnecessário na manutenção do motor do
Matajusi. Tomara que essa matéria ajude outros navegadores a reconhecer e sanar
esse problema antes de terem o custo por não fazê-lo.