Uma vez decidido a dar uma volta ao mundo
em um barco a vela, o próximo passo foi procurar o barco ideal para esse fim.
Como não sabia nada a respeito do assunto, e por sugestão do André Homem de
Melo, comprei os livros do Jimmy Cornell e comecei a ler. Aliás, um livro
fabuloso, que deve ser lido antes de uma travessia a vela, é o World Cruising Essentials do Jimmy
Cornell. Neste pouco conhecido e divulgado livro, Jimmy compila a opinião de
mais de quinze mil comandantes cruzeiristas, que acumularam mais de dezoito
milhões de milhas náuticas navegadas, e acumula sua experiência em organizar
vinte e sete travessias oceânicas e cinco voltas ao mundo.
Na minha análise, levantei várias perguntas
a serem respondidas pelas minhas pesquisas, como, o tipo e tamanho do barco, o
material usado na construção, se importado ou nacional, o custo final, além de
itens como segurança, conforto, e principalmente, a facilidade de navegação em
solitário, uma necessidade mesmo quando velejando com tripulação, no caso da
tripulação adoecer ou mesmo desistir no meio do trajeto.
O tipo foi definido depois de muitas
conversas com velejadores experientes como o Marcio Dottori e o Andre Homem de
Melo, optando pelo monocasco. Essa opção
foi depois confirmada durante a leitura do livro do Jimmy, pois na tabela de
tipos de barcos usados na maioria das travessias, o monocasco correspondia a
88% dos barcos. Quanto ao tamanho, tive que considerar o custo, pois quanto
maior, mais caro, assim como a facilidade de comandar em solitário, pois quanto
maior mais difícil, e cheguei a conclusão que um 40 pés seria o ideal. Essa
conclusão foi também endossada durante a leitura do livro do Jimmy, pois 50%
dos barcos usados nas travessias oceânicas estão entre 35 e 45 pés . Outro dado
interessante foi a preferência dos comandantes pesquisados, onde 50% disse
preferir um barco entre 35 e 45
pés .
Agora que o tipo e o tamanho do barco estavam
definidos, fui procurar dados sobre materiais de construção. Ouvi muito sobre
os prós e contras de cada material usado, onde o
alumínio parecia ser o preferido, depois o aço, depois a fibra e por último o
de madeira. Cheguei a visitar um barco de aço construído no sul, mas achei ele
quente demais, e fiquei preocupado com os arranhões e ferrugens que já
apareciam no barco inteiro, tendo ele saído do estaleiro a menos de 6 meses. Os
de alumínio estavam fora do orçamento, então, restou a opção do barco feito com
fibra.
Eu particularmente gosto mais desta opção,
pois acho a fibra mais bonita, de mais fácil manutenção, e mais leve, além de
ser um pouco elástica. Se o casco for
bem projetado e bem construído, não deve ficar devendo nada para os barcos em
aço e alumínio.
Com todos esses itens já resolvidos, o
próximo passo foi procurar um estaleiro nacional ou opções dos importados.
Estávamos na ocasião do São Paulo Boat Show, um excelente lugar para eu começar
minha procura. O Marcio Dottori me acompanhou na visita a todos os estaleiros
representados na feira, e basicamente tínhamos quatro opções de barcos de 40 pés , o RO 400, o BB 40, o
Bavária, e o Beneteau. A escolha do barco é uma decisão pessoal de cada
comandante e vai variar de comandante para comandante. Posso somente elaborar
as causas que me levaram a fazer a minha escolha.
O Bavária e Beneteau, sendo importados,
custam mais caro, principalmente por conta dos impostos de importação. Além
disso, o Bavária, nessa mesma época, tinha tido alguns problemas de fabricação,
onde vários barcos perderam a quilha em uma travessia, e o Beneteau, eu tinha alugado
um em Granada em 2003, e achei um barco de construção em serie, mais apropriada
para o Caribe e sem a atenção especifica durante a construção, para uma volta
ao mundo.
Com isso, restaram o BB 40 e o RO 400. O BB
40 é um barco construído com a intenção de ganhar regatas, tanto que veio a
ganhar a última regata de Ilha Bela na sua categoria, com o RO 400 chegando em
terceiro com uma versão cruzeiro.
Agendei então uma visita ao estaleiro ILS
em Joinville para ver a fabricação do RO 400, e uma saída no BB 40 em Parati. A saída no BB 40
nunca aconteceu, pois o pessoal da Regatta não me ligou conforme o combinado.
De qualquer forma, depois de optar pelo RO 400, tive a oportunidade de ver o BB
40 na água no RJ Boat Show esse ano, e pude confirmar minha preferência pelo RO
400.
Na minha visita á ILS em Joinville antes de
me decidir na compra, pude ver o processo de fabricação do primeiro e segundo
barcos sendo construídos no Brasil. O que me chamou muito a atenção foi o fato
do projeto RO 400 ser um projeto espanhol, já com bom sucesso na Europa, onde a
fábrica, antes na Itália, havia sido transferida para o Brasil, em outras
palavras, um barco Europeu de desenho novo e linhas modernas, mas fabricado no
Brasil, com custo de nacional e sem custo de importação!
Nessa visita à ILS, não existia ainda
nenhum RO 400 construído no Brasil, pronto e navegando, então tinha um pouco de
risco nessa escolha. Avaliando o risco, decidi pesquisar quem eram os
compradores na minha frente, e percebi que eram comandantes já com bastante
experiência, o que me deixou um pouco mais confortável. Mesmo assim, até os
primeiros barcos serem postos para navegar, ficava uma preocupação, mas, acreditei
e fechei o negócio, desde o começo, com a condição de que meu barco seria fabricado
com a atenção e cuidados especiais, pois iria passar por provações além dos
outros barcos irmãos, sendo o primeiro RO a dar uma volta ao mundo.
Se eu tinha alguma preocupação com relação
ao RO 400, ela se dissipou totalmente quando pude ver os primeiros dois barcos
na água, inclusive com a oportunidade de comandar, mesmo que por alguns
instantes, o primeiro RO 400 feito no Brasil, o Scirocco, na Baia de Guanabara,
por ocasião do RJ Boat Show. Depois disso, me tornei um parceiro e amigo do
Negrini, dono do Mestiço, o segundo RO 400 a ir para a água. Nas minhas conversas com
o Negrini pude sentir o contentamento que ele teve na troca do FAST 35 que ele
tinha antes, pelo RO 400, segundo ele, um barco muito ágil e fácil de ajustar
ao vento.
Agora, com o barco escolhido e o negocio
fechado, preferi que meu barco fosse construído um pouco mais para frente, uma
para me facilitar o pagamento por um período maior, e segundo, para que todos
os possíveis problemas de fabricação do barco no Brasil, já tivessem sido solucionados.
O MATAJUSI, um RO 400 construído pela ILS
em Joinville, estará pronto no final de Outubro de 2006. Eu tinha duas opções
de cores a serem escolhidas, o azul e o branco. Minha preferência ficaria com o
azul, um barco muito distinto, mas, depois de mais algumas pesquisas e
considerações, me decidi pelo branco, pois, sendo minha volta ao mundo
projetada para a rota dos ventos alísios, e, portanto na altura do equador, a
cor do barco pode influenciar em uma diferença de até 5 graus na temperatura
interior. O branco reflete os raios solares melhor do que o azul. Isso poderia ser resolvido com um ar
condicionado, mas, para tanto, teria que ter também solução para a energia para
tocar o ar condicionado, o que, em uma viagem de volta ao mundo, é um dos itens
de maior preocupação e complexidade, pois o barco navega a vela, e, portanto,
sem o motor ligado para alimentar os alternadores que por sua vez alimentam as
baterias e essas, o ar condicionado.
Mas, vamos deixar para falar sobre as
necessidades que eu especifiquei para o meu barco para dar a volta ao mundo, no
proximo relato, onde estarei escrevendo sobre essas considerações e sobre as
modificações a serem feitas no MATAJUSI, algumas durante, e outras, depois da
construção e entrega do barco completo em Outubro de 2006.
Até o proximo relato!