segunda-feira, janeiro 28, 2013

Port Elizabeth a Cape Town, Africa do Sul:

Ficamos uma semana em Port Elizabeth, sempre muito preocupados com a famosa ressaca que quando  entra pode danificar barcos no Iate Clube. Lá passamos o Natal, primeiro com uma ceia com amigos novos que moram em Durban e conhecemos durante nossa estada lá, que estavam fazendo um passeio de férias que coincidia com as cidades que íamos parar a caminho de Cape Town. Depois, para o almoço de Natal, preparei um coelho ao molho de vinho tinto e comemos com nossos amigos do Ainia. Nos próximos dias, contratamos um motorista e fomos visitar o Addo Elephant Park e o Wild Cat’s World, uma fazenda de criação de Guepardos. No Addo, vimos mais de cem elefantes e um particularmente com as maiores presas que já vi em um elefante, simplesmente enorme e magnifico, e depois, na fazenda de guepardos, pudemos acariciar uma fêmea já adulta que foi criada no parque e era muito confortável com a presença e toque de humanos, além de ver muitos tipos de felinos africanos, inclusive com dois filhotes de leopardo, lindíssimos  três filhotes de leão que deixavam a gente tocar neles e lambiam as nossas mãos, uma experiência inesquecível.

Knysna:

Com o vento, o mar, e a previsão propícios para a travessia entre Port Elizabeth e Knysna, e calculando a maré em Knysna para chegarmos uma hora antes da maré cheia, partimos de Port Elizabeth, acompanhados pelo Ainia. Eles são um barco mais pesado que o Matajusi então foram ficando para trás, e como nós tínhamos hora de chegada na barra de Knysna, seguimos ajudando com o motor para garantir a entrada. Quer dizer, garantia não tínhamos nenhuma pois se a ressaca estiver do lado errado ou com a altura errada, também não iríamos poder entrar, só se sabe quando se chega lá. Chegamos na barra de Knysna na hora, maré, e vento corretos, mas a ressaca estava um pouco alta, e para não errar, ligamos para um voluntario lá que ajuda barcos a entrarem. Ele foi ate o penhasco na frente da barra para olhar a ressaca e disse que podíamos entrar, mas que deveríamos seguir as luzes de alinhamento à risca, mesmo passando a poucos metros de recifes rasos com ondas arrebentando em cima.

Nessa altura, nossos amigos do Mr Curly ja estavam no penhasco e nos ligaram no celular para nos orientar na entrada da barra. Fiquei parado fora da arrebentação para me familiarizar com a barra, ver onde as ondas arrebentavam, ver onde estavam as luzes de alinhamento, e, na hora que achei correta, decidi entrar. Na primeira tentativa, quando estava já passando por cima da primeira barra, de fora e mais funda, percebi uma onda bem maior do que as outras que haviam passado enquanto observávamos a barra e decidi abortar a entrada, virando cento e oitenta graus e encarando a onda de frente. Nossos amigos gritavam no telefone que não devíamos virar e ficar de lado para a arrebentação, mas, como quem manda é o capitão, virei, encarei a onda, subi alto e desci rápido do outro lado, mas sem bater o casco, perfeito!

Ficamos mais um tempinho observando a barra, e na hora que achei que dava, arremeti a frente, logo atras da maior onda de um grupo de ondas. Demorou para o barco ganhar velocidade, mas logo estávamos entrando no meio de duas ondas. 

Passamos a primeira barra, depois o recife que fica a alguns metros do barco, e tudo isso com os nossos amigos gritando que eu devia ir mais para a esquerda, mas como eu estava perfeitamente alinhado com as luzes, segui nessa rota mais segura. Passamos assim pela segunda barra com fundo a dois metros e oitenta, ondas estourando dos dois lados, e logo estávamos dentro. A partir desse ponto seguimos as boias de sinalização de meio de canal, e chegamos na área de ancoragem na frente do Iate Clube. Lá, ancorei e re-ancorei cinco vezes, pois a ancora não firmava. No final, não forcei muito na ré e deixei a ancora com quarenta metros de corrente em fundo de três metros, ou seja, mais do que o suficiente, fomos tomar banho e se arrumar para a ceia de Ano Novo com o Mr. Curly, jantar que a Kathy preparou e estava somente esperando nós chegarmos para celebrarmos juntos a passagem.

Knysna, dita a cidade mais bonita da Africa do Sul, realmente é uma joia, com muitos restaurantes e lojas de artesanatos africanos. Enquanto o Mr Curly estava lá, curtimos Knysna junto com eles, depois, quando eles sairam para Cape Town, pusemos as bicicletas para fora e fomos curtir Knysna de bicicleta, aproveitando para fazer algum exercício, antes da grande travessia do Atlântico de volta para o Brasil.

Uma manha, enquanto a Lilian havia saído com a Kathy do Mr Curly e eu continuei dormindo no barco, fui acordado com uma sacudida do barco, que virou de lado para um vento acima de trinta nós que entrou, e percebi que estávamos correndo soltos na ancoragem. Sem um segundo a perder, pois logo atras do barco tinha um lugar muito raso e ainda de pijamas e meias, corri para o cockpit, liguei o motor e já acelerei tudo para virar o barco contra o vento. Estávamos a apenas alguns metros do raso! Com a ancora ainda na água  e o cabo de nylon que prende a corrente para evitar trancos no guincho ainda instalado na corrente voltei contra o vento e fui no motor contra o vento que já passava dos trinta e cinco nós. Sem instrumentos, pois não tive tempo de liga-los, com o gancho do cabo de nylon prendendo a corrente, não conseguia recolher a ancora e fiquei em situação desesperadora, mas, temos que encontrar a saída  então  no final da corrente, quando senti que o barco queria virar, virei o barco, engatei a ré, e fui de ré contra o vento, arrastando a ancora. A situação era agravada pelo fato da nova coberta do cockpit estar totalmente instalada, pois além de não me deixar ver bem, ainda expunha uma grande área velica ao vento.  Enquanto arrastava a corrente e ancora contra o vento, mas sem poder largar o leme, pois não tinha o piloto ligado, fui tirando a que alcançava da lona de cobertura. Eventualmente, cheguei ao máximo que conseguia ir, pois tinha outro raso na direção que o vento me permitia ir de ré. Lá, resolvi virar o barco de novo e ir soltando corrente. Com o sobe e desce, consegui tirar o gancho que prendia a corrente que agora corria solta, mas sempre com o risco de prender de novo no gancho. Peguei todos os sessenta e cinco metros de corrente, segurando a velocidade do barco no motor e evitando um tranco no final da corrente para ver se a ancora firmava, mas quando a corrente esticou, segurou somente por uns segundos, e soltou de novo, com o barco novamente correndo solto pela ancoragem! Passei mais uma vez por cima da corrente e ancora deixei esticar a corrente, virei de novo o barco e fui recolhendo a ancora pelo comando do guincho do cockpit, conseguindo finalmente recolher completamente a ancora. Ufa! Ainda estava em meus pijamas e de meia, que nessa altura já estavam completamente molhados de água salgada que respingava com o vento forte.

Passei perto de outro veleiro na ancoragem com o capitão olhando minhas manobras, e perguntei se estava tudo bem com a minha ancora, pois do cockpit não conseguia ver. Ele disse que sim, então perguntei se ele tinha alguma sugestão sobre onde parar o barco e ele recomendou uma ancoragem logo depois da entrada da barra que disse ser protegida do vento sudoeste, e para lá me dirigi. 

Sem instrumentos e com rasos pela área  resolvi achar um lugar onde conseguia por o barco em capa (arrastando de lado para o vento) e em três manobras de ir contra o vento, soltar o barco em capa e enquanto isso, tirar o pijama e meias, ligar os equipamentos, tirar completamente a cobertura do cockpit, abaixar o dog-house para reduzir o atrito com o vento, preparar uma segunda ancora com corrente de quinze metros e cabo de nylon de sessenta metros, beber um copo de água  pois minha garganta estava completamente seca da adrenalina e esforço do momento, consegui estar pronto para tentar ancorar o barco novamente.

Decidi por ancorar na baia antes da ancoragem oficial de Knysna, pois alem de não ter nenhum barco, ainda tinha uma área onde, se a ancora garrasse (largasse) eu tinha como manobrar o barco. Com tudo preparado, fui na área escolhida, lancei ancora pagando sessenta metros de corrente, e finalmente o barco parou, isso depois de quase duas horas de combate entre natureza e experiencia! Ufa!

Sem parar para descansar e por maior segurança, preparei a segunda ancora para posiciona-la com o botinho,  em V com a primeira ancora, mas, quando amarrei o cabo na proa, parte dele caiu na água e a forte corrente de maré carregou ele por baixo do barco, agora prendendo o leme e o hélice  Sem vacilar, tirei completamente a roupa e mergulhei nas águas geladas da baia para soltar o cabo. 

Com a corrente forte, não consegui desvencilhar o cabo completamente, então voltei ao barco, soltei a ponta do cabo da proa e deixei ele correr solto na corrente de maré, com a outra ponta com corrente e ancora já no botinho, voltei a mergulhar e consegui soltar todo o cabo, deixando ele solto na corrente de maré e preso ao botinho.

Voltei para o barco, tomei uma banho de água doce, vesti a bermuda de novo, tomei mais dois copos de água  e fui posicionar a segunda ancora em V com a primeira, operação que correu sem incidentes. Voltei ao barco, sentei re-lembrando o incidente todo  analisando o que eu poderia ter feito melhor, até acalmar e descansar bastante, e assim, com o barco integro para seguir com a circunavegação.

Depois disso, resolvi parar na parede de dentro da marina de Knysna e por lá ficamos ate nossa partida. Lá conhecemos novos amigos, o Wayne e Tracy do Margaret Anne, que gostaram muito da ideia do Brally e se juntaram ao grupo de amigos cruzeiristas que estão indo para o Brasil juntos. Fizemos alguns passeios juntos, pois eles tem carro e nos levaram para conhecer lugares interessantes a volta de Knysna, isso enquanto esperávamos a condição de vento, maré e ressaca corretas para sair de Knysna.

Chegado o dia com condições corretas, preparamos o barco, soltamos amarras e partimos de Knysna, não sem antes passar por mais algumas preocupações  enfrentando algumas ondas com mais de três metros de altura que estavam entrando pela barra. De novo, fiquei dentro até a hora correta, e ajudado pelo Wayne no penhasco avisando a gente pelo celular das condições das ondas la fora, saímos, passando muito bem e sem arrebentação pela primeira barra, encontrando uma onda alta na segunda barra, que atravessamos com uma bela subida e descida sem bater o casco, e depois disso, mar grosso pelas primeiras vinte e quatro horas, depois uma travessia tranquila de dois dias até Cape Town, passando pelo famoso e temido Cabo das Agulhas, que decidi passar a vinte milhas ao largo evitando dois bancos de areia que ficam tenebrosos durante ressaca e vento forte, depois passando pelo Cabo da Boa Esperança, que não pareceu oferecer qualquer perigo e passando do oceano Indico para o Atlântico.

Cape Town:

Chegamos pela manha do terceiro dia em Cape Town e pelo telefone confirmamos onde o Mr Curly tinha atracado, nos dirigindo para a V&A Waterfront Marina, uma marina com apartamentos com fama de caríssima, mas onde conseguimos negociar um preço compatível com as outras opções em Cape Town. Essa marina fica no meio de uma área de elite de Cape town, com restaurantes, shoppings, supermercados, cinemas, enfim, tudo a uma distancia compatível para se ir a pé então nem tiramos as bicicletas do barco.

A Lilian se divertiu com as lojas de roupas da área  e curtimos muito os restaurantes e mercados de comidas típicas locais. Alugamos um carro para fazer algumas compras em lugares mais distantes, ir no passeio do carrinho que sobe a montanha que fica no meio da Cidade de Cape Town,  e fazer uma visita à área das fazendas de vinho perto de Cape Town, onde fizemos uma excelente compra de bons vinhos da Africa do Sul, sempre acompanhados do Richard e Kathy do Mr Curly.

Aproveitamos o carro e fizemos a documentação de saída da Africa do Sul e estamos esperando a janela certa para sair. Íamos sair ontem mas o vento passou dos quarenta e cinco nós nos últimos dois dias então decidimos esperar um pouco para a ressaca acalmar. Estamos provisionados, e prontos para sair, mas quando fiz uma ultima revisão no barco depois de um sonho que o estai de proa havia quebrado, achei que o pino que segura o enrolador da genoa no deck estava inchado na área do pino de segurança, então passei o dia, primeiro tentando encontrar um pino mais longo, o que encontrei com um especialista em mastros trabalhando em um barco na mesma marina e depois soltando os brandais e estais de popa para caçar o mastro para a frente usando as duas adriças de balão, soltando o estai de proa para soltar o pino inchado, trocando-o pelo pino maior.

Pronto, barco revisado, pronto para sair e devemos estar saindo amanha cedo, esperando ter uma noite melhor dormida porque na de ontem o vento passava dos quarenta e cinco nós, sacudindo muito o barco dentro da marina.